quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Galáxias em fusão no Universo longínquo vistas por lente gravitacional

O famoso detetive Sherlock Holmes usava uma lupa para descobrir as pistas quase invisíveis mas importantes dos seus casos. Do mesmo modo, os astrônomos combinaram o poder de muitos telescópios na Terra e no espaço com uma enorme lupa cósmica para estudar um caso de formação estelar vigorosa no Universo primordial.

galáxias em fusão no Universo longínquo

© Hubble/Keck/ALMA (galáxias em fusão no Universo longínquo)

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), e de outros telescópios instalados no solo e no espaço, uma equipe internacional de astrônomos obteve a melhor imagem de uma colisão entre duas galáxias quando o Universo tinha apenas metade da sua idade atual. A equipe usou uma lupa do tamanho de uma galáxia para ver detalhes que de outra maneira seriam impossíveis de detectar. Este novo estudo da galáxia H-ATLAS J142935.3-002836 mostrou que este objeto complexo e distante se parece com as Galáxias Antena, uma colisão local bem conhecida. Trata-se de uma colisão espetacular entre duas galáxias, que se pensa que teriam estrutura de disco no passado. Enquanto o sistema Antena forma estrelas a uma taxa de apenas algumas dezenas de massas solares por ano, a H1429-0028 transforma mais de 400 vezes da massa do Sol em gás em novas estrelas todos os anos.
“Embora os astrônomos se encontrem normalmente limitados pelo poder dos seus telescópios, em alguns casos a nossa capacidade de observar detalhes é aumentada por lentes naturais criadas pelo Universo,” explica o autor principal do estudo Hugo Messias da Universidad de Concepción (Chile) e do Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa (Portugal). “Einstein previu na sua teoria da relatividade geral que, dada bastante massa, a luz não viaja em linha reta mas curva-se, da mesma maneira que a luz é refratada por uma lente normal.”
Estas lentes cósmicas são criadas por estruturas massivas como galáxias ou aglomerados de galáxias, as quais defletem a luz dos objetos que se encontram por trás, devido à sua forte gravidade, um efeito chamado lente gravitacional. As propriedades de ampliação deste efeito permitem aos astrônomos estudar objetos que, de outro modo, não seriam visíveis e comparar diretamente galáxias locais com outras muito mais remotas, observadas quando o Universo era significativamente mais novo.
No entanto, para que estas lentes gravitacionais funcionem, a galáxia lente e a que se encontra por trás dela devem estar precisamente alinhadas.
“Estes alinhamentos ocasionais são bastante raros e tendem a ser difíceis de identificar,” acrescenta Hugo Messias, “no entanto, estudos recentes mostraram que observando nos comprimentos de onda do infravermelho longínquo e do milímetro conseguimos encontrar estes casos de forma mais eficaz.”
A H-ATLAS J142935.3-002836 (ou apenas H1429-0028) trata-se de uma destas fontes e foi encontrada pelo rastreio Herschel Astrophysical Terahertz Large Area (H-ATLAS). Apesar de muito tênue em imagens no visível, esta galáxia encontra-se entre os mais brilhantes objetos encontrados até à data ampliados gravitacionalmente no infravermelho longínquo, embora o estejamos observando no momento em que o Universo tinha apenas metade da sua idade atual.
O estudo deste objeto encontrava-se no limite do que seria possível, por isso começou uma campanha de observação extensa utilizando os telescópios mais poderosos, instalados tanto no solo como no espaço, incluindo o telescópio espacial Hubble da NASA/ESA, o ALMA, o Observatório Keck, o Karl Jansky Very Large Array (JVLA), entre outros. Os diferentes telescópios forneceram diferente informação, que foi posteriormente combinada e permitiu obter o melhor conhecimento conseguido até à data sobre a natureza deste objeto tão invulgar.
As imagens do Hubble e Keck revelaram um detalhado anel de luz, induzido gravitacionalmente, em torno da galáxia situada em primeiro plano. Estas imagens de alta resolução mostraram igualmente que a galáxia lente é uma galáxia de disco vista de lado, semelhante à nossa própria Galáxia, a Via Láctea, a qual obscurece parte da radiação do campo de fundo devido às enormes nuvens de poeira que contém.
No entanto, este obscurecimento não é problemático nem para o ALMA nem para o JVLA, uma vez que estas duas infraestruturas observam a maiores comprimentos de onda, imunes à poeira. Utilizando os dados combinados, afoi possível descobrir que o sistema no  fundo se tratava efetivamente de duas galáxias em processo de colisão. A partir desse momento, tanto o ALMA como o JVLA desempenharam um papel fundamental na caracterização do objeto.
Em particular, o ALMA traçou o monóxido de carbono, o qual permite fazer estudos detalhados dos mecanismos de formação estelar nas galáxias. As observações ALMA permitiram também fazer a medição do movimento do material no sistema de fundo, verificando-se assim que o objeto estava realmente sofrendo colisão galáctica e formando centenas de novas estrelas por ano. Uma das galáxias em colisão mostra ainda sinais de rotação: uma indicação de que se tratava de uma galáxia de disco antes do encontro.
Rob Ivison, diretor de ciência do ESO e co-autor do novo estudo conclui: “O ALMA permitiu-nos resolver esta questão porque nos deu informação acerca da velocidade do gás nas galáxias, informação esta que permitiu separar os diversos componentes, revelando a assinatura clássica de uma colisão de galáxias. Este estudo apanhou a colisão no momento em que esta começa a dar origem a um episódio extremo de formação estelar.”

Fonte: ESO

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