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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Buraco negro cria contas estelares em um cordão

Os astrônomos descobriram uma das mais poderosas erupções de um buraco negro alguma vez registrada.

© Chandra / LOFAR / Hubble (aglomerado de galáxias SDSS J1531)

Esta megaexplosão, ocorrida há bilhões de anos, pode ajudar a explicar a formação de um impressionante padrão de aglomerados de estrelas em torno de duas galáxias massivas, semelhante a contas num cordão. 

Esta descoberta foi feita no sistema conhecido como SDSS J1531+3414 (SDSS J1531 para abreviar), que se situa a 3,8 bilhões de anos-luz da Terra. Para este estudo foram utilizados vários telescópios, incluindo o observatório de raios X Chandra da NASA e o radiotelescópio LOFAR (Low Frequency Array). 

O  SDSS J1531 é um enorme aglomerado de galáxias que contém centenas de galáxias individuais e enormes reservatórios de gás quente e matéria escura. No coração de SDSS J1531, duas das maiores galáxias do aglomerado estão colidindo uma com a outra. Ao redor destas galáxias gigantes em fusão está um conjunto de 19 grandes aglomerados estelares, chamados superaglomerados, dispostos numa formação em "S" que se assemelha a contas num cordão. 

Uma equipe de astrônomos utilizou dados de raios X, no rádio e no visível para desvendar a provável formação desta cadeia incomum de aglomerados de estrelas. A descoberta de evidências de uma antiga e titânica erupção em SDSS J1531 forneceu uma pista vital. A erupção terá ocorrido quando o buraco negro supermassivo no centro de uma das grandes galáxias produziu um jato extremamente poderoso. À medida que o jato se deslocava pelo espaço, empurrou o gás quente circundante para longe do buraco negro, criando uma cavidade gigantesca.

A prova da existência de uma cavidade provém de "asas" de emissão brilhante em raios X, observadas com o Chandra, que traçam o gás denso perto do centro de SDSS J1531. Estas asas constituem a orla da cavidade e o gás menos denso no meio faz parte da cavidade. O LOFAR mostra ondas de rádio provenientes dos remanescentes das partículas energéticas do jato que preenchem a cavidade gigante. Em conjunto, estes dados fornecem evidências convincentes de uma explosão antiga e massiva. 

Os astrônomos também descobriram gás frio e ameno localizado perto da abertura da cavidade, detectado com o ALMA (Atacama Large Millimeter and submillimeter Array) e com o telescópio Gemini Norte, respectivamente. Os pesquisadores argumentam que parte do gás quente empurrado para longe do buraco negro acabou por arrefecer, formando gás frio e ameno. A equipe pensa que os efeitos de maré das duas galáxias em fusão comprimiram o gás ao longo de trajetórias curvas, levando à formação de aglomerados estelares com o padrão "contas num cordão". 

Os astrônomos reconstruíram neste aglomerado uma sequência provável de eventos que ocorreram ao longo de uma vasta variabilidade de distâncias e tempo. Começou com o buraco negro, com uma pequena fração de um ano-luz de diâmetro, formando uma cavidade com quase 500.000 anos-luz de largura. Este acontecimento único desencadeou a formação dos jovens aglomerados estelares cerca de 200 milhões de anos mais tarde, cada um com alguns milhares de anos-luz de diâmetro.

Os astrônomos apenas observaram ondas de rádio e uma cavidade de um jato, mas os buracos negros normalmente disparam dois jatos em direções opostas. A equipe observou emissões de rádio mais longe das galáxias que podem ser os remanescentes de um segundo jato, mas não estão associadas a uma cavidade detectada. Supõe-se que os sinais de rádio e de raios X da outra erupção podem ter desvanecido ao ponto de não serem detectáveis.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Observações mostram que as estrelas massivas nascem em grupos

Há muito que se pensa que as estrelas massivas nascem como gêmeas, trigêmeas ou em grupos ainda maiores. Mas, até agora, havia poucas evidências observacionais que confirmassem a multiplicidade do nascimento das estrelas massivas.

© ALMA (região de formação estelar massiva)

Imagem, em cores falsas, da região de formação estelar massiva G333.23-0.06 a partir de dados obtidos com o observatório Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA). As inserções mostram regiões detectadas com sistemas múltiplos de protoestrelas. Os símbolos pretos indicam a posição de cada uma das estrelas recém-formadas. A imagem abrange uma região com 0,62 por 0,78 anos-luz (que no céu corresponde a uns meros 7,5 x 9,5 segundos de arco).

Isto mudou com as observações aqui apresentadas: um estudo detalhado, utilizando o observatório ALMA, encontrou quatro protoestrelas binárias, um sistema triplo, um quádruplo e um quíntuplo num grande aglomerado estelar.

Os novos resultados confirmam a nossa compreensão atual da formação de estrelas massivas: estas nascem, realmente, em grupos. As estrelas massivas, há muito que se pensa que o nascimento múltiplo seja a norma. Este fato foi demonstrado por simulações que traçaram o colapso de nuvens gigantes de gás e poeira desde o início até à formação de estrelas separadas no seu interior: um processo hierárquico em que porções maiores da nuvem se contraem para formar núcleos mais densos, e em que regiões menores dentro destes "núcleos natais" colapsam para formar as estrelas separadas: estrelas massivas, mas também várias estrelas menos massivas. 

O nosso Sol formou-se como uma protoestrela de baixa massa num aglomerado de estrelas do gênero. As estrelas massivas, que têm mais de oito vezes a massa do nosso Sol, são de particular interesse, pois são estas as que dão oportunidade às estrelas de nêutrons e aos buracos negros, sendo estes com possibilidade de fundir uns com os outros e emitir grandes quantidades de ondas gravitacionais. Além disso, as estrelas massivas são muito brilhantes, até um milhão de vezes mais brilhantes do que o nosso Sol, sendo estas vistas em outras galáxias. 

Até agora, embora houvesse uma boa compreensão teórica da formação de estrelas nestas circunstâncias, faltavam evidências fundamentais: é muito difícil observar regiões de formação estelar em detalhe suficiente. Até à data, as observações tinham sido capazes de mostrar apenas alguns isolados candidatos a sistemas múltiplos em aglomerados estelares massivos, mas nada que se parecesse com a população prevista pelas simulações. Para confirmar ou descartar os modelos atuais da formação de estrelas massivas, era clara a necessidade de observações mais detalhadas. 

Um grupo de astrônomos do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan), da Universidade para Estudos Avançados em Tóquio, e do Instituto Max Planck de Astronomia em Heidelberg, propôs-se observar 30 promissoras regiões de formação estelar massiva com o ALMA entre 2016 e 2019. A análise dos dados revelou-se um desafio considerável e demorou vários anos. Cada observação separada produz cerca de 800 GB de dados e a reconstrução de imagens a partir das contribuições das 66 antenas é um processo complexo.

As imagens reconstruídas resultantes são notáveis: mostram detalhes até cerca de 200 UA (1 UA, ou unidade astronômica, corresponde à distância Terra-Sol) para uma grande região com cerca de 200.000 UA de diâmetro. 

Os resultados são excelentes notícias para o quadro atual da formação de estrelas massivas. Especificamente, os astrônomos estão atualmente trabalhando numa análise semelhante para as 29 regiões adicionais de formação estelar massiva que observaram, às quais se juntarão em breve mais 20, com novas observações ALMA. Isso deverá permitir obter estatísticas de maior alcance sobre as propriedades dessas regiões e compreender a evolução dos sistemas múltiplos. Mas mesmo com os resultados atuais, o papel dos sistemas múltiplos na formação de estrelas massivas está agora firmemente ancorado na observação. 

Um artigo foi publidado na revista Nature Astronomy

Fonte: Max-Planck-Institut für Astronomie

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Uma visão colorida do Universo

O telescópio espacial James Webb e o telescópio espacial Hubble uniram-se para estudar um extenso aglomerado de galáxias conhecido como MACS0416.

© Hubble / Webb (MACS0416)

A imagem pancromática resultante combina luz visível e infravermelha para reunir uma das vistas mais abrangentes do Universo jamais obtidas. 

Localizado a cerca de 4,3 bilhões de anos-luz da Terra, MACS0416 é um par de aglomerados de galáxias em colisão que acabarão por se combinar para formar um aglomerado ainda maior. O MACS0416 está sendo chamado de aglomerado de galáxias da Árvore de Natal, tanto por ser tão colorido como por causa destas luzes cintilantes que encontramos no seu interior. 

A imagem revela uma riqueza de pormenores que só é possível captar combinando o poder de ambos os telescópios espaciais. Inclui uma abundância de galáxias no exterior do aglomerado e um conjunto de fontes que variam ao longo do tempo, provavelmente devido à lente gravitacional, a distorção e amplificação da luz de fontes de fundo distantes. 

Este aglomerado foi o primeiro de um conjunto de vistas profundas e sem precedentes do Universo, obtidas através de um programa ambicioso e colaborativo do Hubble chamado Frontier Fields, inaugurado em 2014. O Hubble foi pioneiro na procura de algumas das galáxias intrinsecamente mais tênues e mais jovens. O Webb reforça significativamente este olhar profundo, indo ainda mais longe no início do Universo com a sua visão infravermelha.

Para criar a imagem, em geral, os comprimentos de onda mais curtos da luz foram codificados com a cor azul, os comprimentos de onda mais longos com a cor vermelha e os comprimentos de onda intermediários com a cor verde. A vasta gama de comprimentos de onda, de 0,4 a 5 micrômetros, produz uma paisagem particularmente vívida de galáxias.

Estas cores dão pistas sobre as distâncias das galáxias: As galáxias mais azuis estão relativamente próximas e mostram frequentemente uma intensa formação estelar, como foi detectado pelo Hubble, enquanto as galáxias mais vermelhas tendem a estar mais distantes, como foi detectado pelo Webb. Algumas galáxias também aparecem muito vermelhas porque contêm grandes quantidades de poeira cósmica que tende a absorver as cores mais azuis da luz das estrelas.

O objetivo da observação era procurar objetos que variassem de brilho observado ao longo do tempo, conhecidos como transientes. Foram identificados 14 destes transientes em todo o campo de visão. Doze destes transientes estavam localizados em três galáxias que são altamente ampliadas por lentes gravitacionais, e são provavelmente estrelas individuais ou sistemas de estrelas múltiplas que são muito ampliados brevemente. Os restantes dois transientes encontram-se em galáxias de fundo mais moderadamente ampliadas e são suscetíveis de serem supernovas.

Entre os transientes identificados, um destacou-se em particular. Localizado numa galáxia que existia cerca de 3 bilhões de anos após o Big Bang, está ampliada por um fator de pelo menos 4.000, é o sistema estelar de "Mothra", numa alusão à sua "natureza monstruosa", sendo ao mesmo tempo extremamente brilhante e extremamente ampliado. Junta-se a outra estrela que sofre o efeito de lente que os pesquisadores identificaram anteriormente e que apelidaram de "Godzilla". Curiosamente, Mothra também é visível nas observações do Hubble efetuadas nove anos antes. Isto é incomum, porque é necessário um alinhamento muito específico entre o aglomerado de galáxias em primeiro plano e a estrela de fundo para ampliar um objeto desta maneira. 

Os movimentos mútuos da estrela e do aglomerado deveriam ter acabado por eliminar este alinhamento. A explicação mais provável é que existe um objeto adicional no interior do aglomerado em primeiro plano que está aumentando a ampliação. A equipe conseguiu determinar que a sua massa se situa entre 10 mil e 1 milhão de vezes a massa do nosso Sol. A natureza exata permanece desconhecida. A explicação mais provável é um aglomerado globular de estrelas que é demasiado tênue para ser visto diretamente pelo Webb.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics. Um outro artigo foi para publicação no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Space Telescope Science Institute

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Novas pistas para a formação e evolução das estrelas na Via Láctea

Após estudos comparativos de uma amostra de quase 50 aglomerados abertos de diferentes idades na Via Láctea, uma pesquisa mostra que, quando estes aglomerados estelares envelhecem, perdem a maioria dos seus membros menos massivos.

© IAC / D. López (Plêiades)

A pesquisa foi conduzida pelo IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias) e pela ULL (Universidad de La Laguna), com a colaboração da Universidade Politécnica de Cartagena, cujo resultado confirma que existem processos dinâmicos internos nos aglomerados abertos, causados pelas suas longas viagens através da Galáxia, que provocam a expulsão destas estrelas de baixa massa. O estudo utilizou dados do satélite Gaia da ESA. 

Um aglomerado aberto é um grupo de estrelas que se formou a partir de uma única nuvem molecular. Os exemplos mais conhecidos são as Plêiades (M45) e as Híades, que podem ser vistas a olho nu no céu de inverno. Os aglomerados abertos são constituídos por várias centenas a vários milhares de estrelas, que estão ligadas entre si pela gravidade, embora menos fortemente do que os aglomerados globulares. 

Dado que todas as estrelas de um aglomerado têm a mesma origem, idade e composição química, as suas propriedades são mais fáceis de determinar do que as de estrelas isoladas, o que torna os aglomerados muito úteis para o estudo da formação e evolução estelar. As estrelas nos aglomerados abertos compartilham também um movimento comum pelo espaço, derivado do movimento da nuvem molecular a partir da qual se formaram. O estudo deste movimento permite distinguir as estrelas de um determinado aglomerado de estrelas que se encontram ao longo da mesma linha de visão, mas que não fazem parte do mesmo, e saber com segurança que nasceram ao mesmo tempo, que estão a uma distância comum da Terra e que estão relacionadas entre si como um grupo. 

Uma equipe de cientistas liderada pela pesquisadora do IAC, Maruska Zerjal, utilizou as últimas medições do satélite Gaia da ESA para estudar os movimentos das estrelas que fazem parte de 50 aglomerados abertos a uma distância moderada do Sol. Ao escolher a amostra, foi estabelecido um limite de distância de 1.500 anos-luz e um limite de idade de 1 bilhão de anos, o que é 4,6 vezes inferior à idade do Sol. Dentro destes limites, foi possível detectar estrelas com pouca massa, menos de metade da massa do Sol, que são muito mais difíceis de detectar do que estrelas mais massivas e brilhantes.

Foi considerado este limite superior para a distância porque as estrelas de baixa massa são demasiado tênues para serem observadas como objetos isolados quando estão longe de nós, e para a idade porque sabe-se que em aglomerados muito antigos este tipo de estrelas é quase indetectável. 

Uma vez identificados os aglomerados, eles foram classificados em três grupos e analisadas a distribuição do brilho das estrelas que os compõem. Depois de analisar cada grupo, a equipe mostrou que nos aglomerados mais antigos estudados, entre 100 milhões e 800 milhões de anos, há uma perda constante das estrelas menos massivas. Os aglomerados mais jovens, por outro lado, apresentam todos uma distribuição estelar semelhante, com as mesmas proporções dos diferentes tipos de estrelas, desde as mais massivas e brilhantes às menos massivas e mais fracas.

Esta descoberta implica duas conclusões importantes. Em primeiro lugar, a distribuição da massa das estrelas em aglomerados jovens parece ser um fenômeno universal. Em segundo lugar, nos aglomerados abertos existem processos dinâmicos internos devido às suas longas viagens através da Galáxia, que os levam a perder estrelas de baixa massa.

O catálogo dos aglomerados analisados está disponível no arquivo astronômico público do CDS (Centre de Données astronomiques de Strasbourg). Além disso, para tornar os resultados ainda mais acessíveis a um público mais vasto, a equipe desenvolveu um website interativo com todos os aglomerados e as estrelas que os compõem, o GAIA Open Clusters.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics. 

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Encontrada uma explosão bizarra num local inesperado

Uma explosão muito rara e estranha de luz extraordinariamente brilhante no Universo acaba de se tornar ainda mais estranha, graças à visão aguçada do telescópio espacial Hubble.

© NOIRLab (explosão luminosa transiente)

O fenômeno, denominado LFBOT (Luminous Fast Blue Optical Transient), surgiu onde não se esperava que surgisse, muito longe de qualquer galáxia hospedeira. Só o Hubble conseguiu localizar o fenômeno. 

Os astrônomos não sabem o que são os LFBOTs. Os resultados do Hubble sugerem que sabem ainda menos, ao excluir algumas teorias possíveis. Os LFBOTs estão entre os eventos mais brilhantes de luz visível conhecidos no Universo, surgindo inesperadamente como os flashes de uma câmara. 

Desde a primeira descoberta em 2018, apenas foram encontrados alguns, um evento localizado a cerca de 200 milhões de anos-luz de distância que foi apelidado de "A Vaca". Atualmente, os LFBOTs são detectados uma vez por ano.

Após a sua detecção inicial, o último LFBOT foi observado por vários telescópios em todo o espetro eletromagnético, desde os raios X às ondas de rádio. Designado AT2023fhn e apelidado de "o Finch", o evento transitório mostrou todas as características de um LFBOT. Brilhava intensamente em luz azul e evoluía rapidamente, atingindo o pico de brilho e desvanecendo-se numa questão de dias, ao contrário das supernovas, que demoram semanas ou meses a desvanecer. 

Mas, ao contrário de qualquer outro LFBOT visto anteriormente, o Hubble descobriu que o Finch está localizado entre duas galáxias vizinhas, a cerca de 50.000 anos-luz de uma galáxia espiral próxima e a cerca de 15.000 anos-luz de uma galáxia menor. 

Embora se tenha assumido que estas explosões espantosas são um tipo raro de supernova chamado supernovas de colapso do núcleo, as estrelas gigantescas que se transformam em supernovas têm uma vida curta para os padrões estelares. Por conseguinte, as estrelas progenitoras massivas não têm tempo de viajar muito longe do seu local de nascimento - um aglomerado de estrelas recém-nascidas - antes de explodirem. Todos os anteriores LFBOTs foram encontrados nos braços espirais de galáxias onde o nascimento de estrelas está decorrendo, mas o Finch não se encontra em nenhuma galáxia.

A ZTF (Zwicky Transient Facility), uma câmara terrestre de angular extremamente grande que varre todo o céu do norte de dois em dois dias, alertou pela primeira vez os astrônomos para o Finch no dia 10 de abril de 2023. Assim que foi avistado, os pesquisadores desencadearam um programa de observações que tinha estado em suspensão, pronto para rapidamente voltar a sua atenção para qualquer potencial candidato a LFBOT que surgisse.

Medições espectroscópicas efetuadas com o telescópio Gemini South, no Chile, revelaram que o Finch tem uma temperatura escaldante de 20.000º C. O Gemini também ajudou a determinar a sua distância da Terra para que a sua luminosidade pudesse ser calculada. Juntamente com dados de outros observatórios, incluindo o observatório de raios X Chandra da NASA e os radiotelescópios do VLA (Very Large Array), estas descobertas confirmaram que a explosão era um LFBOT. Os LFBOTs podem ser o resultado de estrelas sendo despedaçadas por um buraco negro de massa intermediária (entre 100 e 1.000 massas solares).

A alta resolução e a sensibilidade infravermelha do telescópio espacial James Webb  poderão eventualmente ser usadas para descobrir que o Finch explodiu no interior de um aglomerado globular no halo exterior de uma das duas galáxias vizinhas. Um aglomerado globular é o local mais provável onde um buraco negro de massa intermediária pode ser encontrado. 

Para explicar a localização incomum do Finch, os pesquisadores estão considerando a possibilidade de a explosão ser o resultado de uma colisão de duas estrelas de nêutrons, viajando para longe da sua galáxia hospedeira, que têm estado espiralando uma em direção à outra durante bilhões de anos. Tais colisões produzem uma quilonova, uma explosão 1.000 vezes mais poderosa do que uma nova normal. 

No entanto, uma teoria muito especulativa é a de que se uma das estrelas de nêutrons for altamente magnetizada, ou seja, um magnetar, poderá amplificar ainda mais o poder da explosão, para 100 vezes o brilho de uma supernova normal.

Uma vez que os eventos astronômicos transientes podem surgir em qualquer lugar e a qualquer momento, e são relativamente fugazes, os pesquisadores dependem de levantamentos de campo largo que podem monitorar continuamente grandes áreas do céu para os detectar e alertar outros observatórios como o Hubble para fazer observações de acompanhamento. 

Contudo, é necessária uma amostra maior para se chegar a uma melhor compreensão do fenômeno. Os próximos telescópios de observação de todo o céu, como o observatório Vera C. Rubin, poderão ser capazes de detectar mais, dependendo da astrofísica subjacente.

A descoberta será publicada numa próxima edição do periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Space Telescope Science Institute

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Fusões de galáxias elucidam o modelo de evolução galáctica

Um astrônomo australiano resolveu um mistério centenário sobre a forma como as galáxias evoluem de um tipo para outro.

© Gemini (NGC 4567 e NGC 4568)

O mesmo estudo mostra que a Via Láctea nem sempre foi uma espiral. O trabalho do professor Alister Graham, da Universidade de Swinburne, utiliza observações e conhecimentos novos e antigos para revelar como ocorre a especiação das galáxias. 

Nas décadas de 1920 e 1930, o astrônomo Edwin Hubble e outros estabeleceram uma sequência de variações na anatomia das galáxias, agora conhecida como classificação de Hubble ou diagrama de Hubble. Esta sequência carece de trajetórias evolutivas, mas continua sendo amplamente utilizada para classificar as galáxias com base no seu aspecto visual. 

As galáxias podem conter bilhões de estrelas que seguem ordenadamente órbitas circulares num disco apinhado num aglomerado esférico ou em forma de elipse. Estes discos podem conter padrões espirais, sendo que estas galáxias espirais definem um dos extremos da classificação de Hubble, há muito conhecida. Nesta sequência, as galáxias em forma de lentilha, conhecidas como galáxias lenticulares, com uma estrutura esférica central num disco sem espiral, foram consideradas a população de transição entre as galáxias espirais dominadas pelo disco, como Via Láctea, e as galáxias de forma elíptica, como M87. 

No novo estudo, o professor Graham analisou imagens ópticas do telescópio espacial Hubble e imagens infravermelhas do telescópio espacial Spitzer de 100 galáxias próximas. Comparando a sua massa estelar e a massa do buraco negro central, descobriu dois tipos de galáxias lenticulares: velhas e pobres em poeira, e ricas em poeira. 

As galáxias lenticulares ricas em poeira são construídas a partir de fusões de galáxias espirais. As galáxias espirais podem ter um pequeno esferoide central e um disco contendo braços espirais de estrelas, gás e poeira que se estendem para fora do centro. As galáxias lenticulares poeirentas têm esferoides e buracos negros notavelmente mais proeminentes do que as galáxias espirais e do que as galáxias lenticulares pobres em poeira. Numa reviravolta dos acontecimentos, este estudo mostrou que as galáxias espirais residem a meio caminho entre os dois tipos de galáxias em forma de lentilha. 

Se as galáxias lenticulares, pobres em poeira, acretam gás e material, isto pode perturbar gravitacionalmente o seu disco, induzindo um padrão espiral e alimentando a formação de estrelas, alterando a sua estrutura e forma. A Via Láctea tem várias galáxias satélites menores, como a anã de Sagitário e a anã de Cão Maior, e a sua estrutura revela uma rica história de aquisições. É provável que a Via Láctea tenha sido, em tempos, uma galáxia lenticular pobre em poeira que acretou material, incluindo a satélite Gaia Salsicha-Encélado, e que, com o tempo, evoluiu para a galáxia espiral em que vivemos atualmente. 

Imagens profundas obtidas por inúmeros telescópios terrestres nos últimos anos mostraram que esta é uma caraterística comum às galáxias espirais. Algumas aquisições serão mais dramáticas. Um acoplamento deste tipo está previsto para daqui a 4 a 6 bilhões de anos, quando a Via Láctea e a galáxia de Andrômeda colidirem. A sua colisão destruirá os atuais padrões espirais em ambas as galáxias, dando origem a uma galáxia fundida com um esferoide mais dominante, lançará muitas nuvens de poeira e será acompanhada por um aumento da massa do buraco negro central. Isto levará ao nascimento de uma galáxia lenticular rica em poeira. 

A fusão subsequente de duas galáxias lenticulares poeirentas parece ser suficiente para apagar completamente os seus discos e para criar uma galáxia elíptica, incapaz de reter nuvens de gás frio com poeira. De certa forma, as galáxias lenticulares, pobres em poeira, aparecem como um registo fóssil das galáxias primordiais do Universo. Estas galáxias dominadas por discos são muito antigas e comuns. 

A fusão de duas delas, no Universo jovem, pode explicar a recente observação pelo telescópio espacial James Webb de uma galáxia massiva dominada por um esferoide quando o Universo tinha 700 milhões de anos. Além disso, a nova pesquisa revelou também que a fusão de duas galáxias elípticas é suficiente para explicar as galáxias mais massivas do Universo atual, observadas nos centros de aglomerados de galáxias com 1.000 membros. 

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. 

Fonte: Royal Astronomical Society

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Nebulosa do “gato sorridente”

Esta nuvem vermelha e laranja, parte da nebulosa Sh2-284, foi captada com todo o detalhe pelo VLT Survey Telescope (VST), no Observatório Europeu do Sul (ESO).

© ESO / VST (Sh2-284)

A nebulosa encontra-se repleta de estrelas jovens, já que gás e poeira coalescem nesta nuvem para formar novos sóis. Se olharmos para a nuvem como um todo talvez vejamos a cara de um gato que nos sorri. 

A maternidade estelar Sh2-284 é uma vasta região de gás e poeira e a sua zona mais brilhante, visível nesta imagem, tem uma dimensão de cerca de 150 anos-luz (mais de 1,4 quatrilhões de km). Situa-se a aproximadamente 15;000 anos-luz de distância da Terra na constelação do Unicórnio. 

Aninhado no centro da parte mais brilhante da nebulosa, mesmo por baixo do “focinho do gato”, encontra-se um aglomerado de estrelas jovens conhecido por Dolidze 25, que produz enormes quantidades de radiação e ventos fortes. A radiação é suficientemente intensa para ionizar o hidrogênio gasoso na nuvem, o que dá origem às brilhantes cores vermelhas e laranjas. É em nuvens como esta que residem os blocos constituintes de novas estrelas. 

Os ventos do aglomerado central de estrelas empurram o gás e a poeira para fora da nebulosa, criando um espaço vazio no seu centro. Ao encontrar zonas mais densas de material, que oferecem mais resistência à erosão, os ventos varrem primeiro as áreas que as rodeiam, criando vários pilares, que apontam para o centro da nebulosa. Podemos ver estas estruturas ao longo das fronteiras de Sh2-284, como por exemplo o que vemos do lado direito da imagem. Apesar destes pilares parecerem pequenos, a verdade é que têm uma dimensão de vários anos-luz e contêm enormes quantidades de gás e poeira, a partir dos quais se formam novas estrelas. 

Esta imagem foi criada a partir de dados obtidos pelo VST, propriedade do Instituto Nacional de Astrofísica italiano (INAF) e acolhido pelo ESO no seu Observatório do Paranal, no Chile. O VST dedica-se a mapear o céu austral no visível com o auxílio da sua câmara de 256 milhões de pixels especialmente concebida obter imagens de campo muito largo. Esta imagem foi obtida no âmbito do rastreio VPHAS+ (VST Photometric Hα Survey of the Southern Galactic Plane and Bulge), que estudou mais de 500 milhões de objetos da Via Láctea, ajudando-nos a compreender melhor o nascimento, vida e morte eventual das estrelas existentes na nossa Galáxia. 

Fonte: ESO

sábado, 24 de junho de 2023

Encontrado no espaço interestelar um aminoácido essencial à vida

A pesquisadora Susana Iglesias-Groth, do IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias), descobriu a existência de triptofano, um aminoácido essencial para a formação de proteínas e para o desenvolvimento de organismos vivos, num sistema estelar da Nuvem de Perseu.

© IAC (moléculas de triptofano na região de formação estelar IC 348)

Para o efeito, utilizou dados do observatório espacial Spitzer. O triptofano é um dos 20 aminoácidos considerados essenciais para a formação das proteínas, que são macromoléculas fundamentais para o desenvolvimento da vida na Terra. Este aminoácido tem muitas características espectrais no infravermelho, como já tinha sido caracterizado Iglesias Groth. Ela identificou mais de 10 bandas de emissão desta molécula, as mais fortes de acordo com as suas medições laboratoriais.

Dada a cobertura espectral no infravermelho e a grande base de dados espectroscópicos do telescópio Spitzer, este aminoácido era o candidato óbvio a procurar no espaço. O estudo teve em conta dados de muitas regiões de formação estelar e planetária, mas foi numa das regiões mais próximas e mais bem conhecidas, o complexo de nuvens moleculares em Perseu, e em particular no sistema estelar IC 348, que a combinação de todos os dados espectroscópicos do satélite permitiu atingir a sensibilidade máxima e identificar linhas que o triptofano produz em laboratório.

O IC 348 é uma região excepcional de formação estelar e um laboratório químico extraordinário; graças à sua proximidade com a Terra, é possível realizar algumas das buscas mais sensíveis de moléculas no meio interestelar. Na mesma região foram detectadas evidências de outras moléculas como água (H20), dióxido de carbono (CO2), cianeto de hidrogénio (HCN), acetileno (C2H), benzeno (C6H6), HAPs (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos) e fulerenos, entre outros.

A novidade deste trabalho é que o triptofano nunca havia sido detectado no meio interestelar e, além disso, apesar de décadas de pesquisa, não houve detecção confirmada de outros aminoácidos em nenhuma outra região de formação estelar. O estudo apresenta evidências de que as linhas de emissão associadas ao triptofano podem também estar presentes em outras regiões de formação estelar e sugere que a sua presença, e possivelmente a de outros aminoácidos, é comum no gás a partir do qual as estrelas e os planetas se formam.

É provável que os aminoácidos, os blocos de construção das proteínas, possam estar enriquecendo o gás nos discos protoplanetários e nas atmosferas de exoplanetas jovens, recém-formados e talvez acelerando o aparecimento de vida nestes locais. A análise das bandas de emissão desta molécula também permitiu estimar a temperatura a que o gás desta nuvem se encontra: cerca de 280 Kelvin, ou seja, perto de 0º C, uma temperatura muito semelhante à medida para o hidrogênio molecular e para a água no meio interestelar de IC 348 em estudos anteriores. 

O novo trabalho apresenta também uma estimativa da abundância de triptofano na mesma região: cerca de dez bilhões de vezes menos abundante do que o hidrogênio molecular. 

É sabido que os aminoácidos fazem parte dos meteoritos e podem ter estado presentes desde a formação do Sistema Solar. A descoberta do triptofano e de outros aminoácidos no futuro, pode indicar que os agentes de construção de proteínas, que são fundamentais para o desenvolvimento de organismos vivos, existem naturalmente nas regiões onde as estrelas e os sistemas planetários se formam, e que a vida pode ser mais comum na nossa Galáxia do que poderíamos prever.

Os resultados da descoberta foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

domingo, 18 de junho de 2023

A formação estelar continua em 30 Doradus

Uma nova pesquisa do SOFIA (Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy) mostrou que os campos magnéticos em 30 Doradus, uma região de hidrogênio ionizado no núcleo da Grande Nuvem de Magalhães, podem ser a chave para o seu comportamento surpreendente.

© ESO / NASA / SOFIA (30 Doradus)

As linhas de fluxo mostram a morfologia do campo magnético a partir dos mapas de polarização obtidos pelo HAWC+ (High-resolution Airborne Wideband Camera Plus) do SOFIA. Estes são sobrepostos numa imagem composta captada pelo VLT (Very Large Telescope) do ESO e pelo VISTA (Visible and Infrared Survey Telescope for Astronomy).

A maior parte da energia em 30 Doradus, também chamada Nebulosa da Tarântula, provém do gigantesco aglomerado estelar perto do seu centro, R136, que é responsável por múltiplas e gigantescas conchas de matéria em expansão. Mas nesta região perto do núcleo da nebulosa, a cerca de 25 parsecs de R136, as coisas são um pouco estranhas. A pressão do gás, aqui, é mais baixa do que deveria ser, perto da intensa radiação estelar de R136, e a massa da área é inferior ao esperado para que o sistema se mantenha estável. 

Utilizando o instrumento HAWC+, os astrônomos estudaram a interação entre os campos magnéticos e a gravidade em 30 Doradus. Os campos magnéticos são, afinal, o ingrediente secreto da região. O estudo recente descobriu que os campos magnéticos nesta região são simultaneamente complexos e organizados, com grandes variações de geometria relacionadas com as estruturas de grande escala, em expansão, que estão em jogo. 

Mas como é que estes campos complexos, mas organizados, ajudam 30 Doradus a sobreviver? Na maior parte da área, os campos magnéticos são incrivelmente fortes. São fortes o suficiente para resistir à turbulência, para poderem continuar regulando o movimento do gás e mantendo intacta a estrutura da nuvem. São também suficientemente fortes para evitar que a gravidade assuma o controle e faça a nuvem colapsar para formar mais estrelas. No entanto, o campo é mais fraco em alguns pontos, permitindo que o gás escape e infle as conchas gigantes. À medida que a massa nestas conchas cresce, as estrelas podem continuar se formando apesar dos fortes campos magnéticos. 

Observar a região com outros instrumentos pode ajudar os astrônomos a compreender melhor o papel dos campos magnéticos na evolução de 30 Doradus e de outras nebulosas semelhantes. 

O SOFIA foi um projeto conjunto da NASA e da DLR (Deutsches Zentrum für Luft- und Raumfahrt, a Agência Espacial Alemã). A DLR forneceu o telescópio, a manutenção programada da aeronave e outros apoios para a missão. O Centro de Pesquisa Ames da NASA em Silicon Valley, na Califórnia, geriu o programa SOFIA, a ciência e as operações da missão em cooperação com a USRA (Universities Space Research Association), com sede em Columbia, no estado norte-americano de Maryland, e com o Instituto SOFIA na Universidade de Stuttgart, Alemanha. O SOFIA atingiu a capacidade operacional total em 2014 e concluiu o seu último voo científico a 29 de setembro de 2022. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy

sábado, 27 de maio de 2023

Hubble caça buracos negros de massa intermediária

Os astrônomos que utilizam o telescópio espacial Hubble descobriram o que dizem ser algumas das melhores evidências da presença de uma classe rara de buracos negros de massa intermediária que pode estar à espreita no núcleo do aglomerado globular mais próximo da Terra, localizado a 6.000 anos-luz de distância.

© Hubble (aglomerado globular M4)

Como intensos buracos gravitacionais no tecido do espaço, praticamente todos os buracos negros parecem existir em dois tamanhos: pequenos e enormes. Estima-se que a nossa Galáxia tenha 100 milhões de buracos negros pequenos (várias vezes a massa do nosso Sol) formados a partir da explosão de estrelas. 

O Universo em geral está inundado de buracos negros supermassivos, com uma massa milhões ou bilhões de vezes superior à do nosso Sol e que se encontram no centro das galáxias. Os buracos negros de massa intermediária são um elo perdido e há muito procurado, com uma massa entre 100 e 100.000 massas solares. 

Mas como é que se formam, onde se encontram e porque é que parecem ser tão raros? Os astrônomos identificaram outros possíveis buracos negros de massa intermediária através de uma variedade de técnicas de observação. Dois dos melhores candidatos - 3XMM J215022.4−055108, que o Hubble ajudou a descobrir em 2020, e HLX-1, identificado em 2009 - residem em densos aglomerados de estrelas na periferia de outras galáxias. Cada um destes possíveis buracos negros tem a massa de dezenas de milhares de sóis e pode ter estado, em tempos, no centro de galáxias anãs. 

O observatório de raios X Chandra da NASA também ajudou a fazer muitas descobertas de possíveis buracos negros de massa intermediária, incluindo uma grande amostra em 2018. Olhando mais perto daqui, foram detectados vários candidatos a buracos negros de massa intermediária em aglomerados globulares densos que orbitam a Via Láctea. Por exemplo, em 2008, foi anunciada a presença suspeita de um buraco negro de massa intermediária no aglomerado globular Omega Centauri. 

Por uma série de razões, incluindo a necessidade de mais dados, estes e outros achados de buracos negros de massa intermediária continuam a ser inconclusivos e não excluem teorias alternativas. As capacidades únicas do Hubble foram agora utilizadas no núcleo do aglomerado globular Messier 4 (M4), para caçar buracos negros com maior precisão do que em levantamentos anteriores.

Foi detectado em M4 um possível buraco negro de massa intermediária com cerca de 800 massas solares. O objeto suspeito não pode ser observado, mas a sua massa é calculada através do estudo do movimento das estrelas apanhadas no seu campo gravitacional. A medição do seu movimento requer tempo e muita precisão. É aqui que o Hubble consegue fazer o que nenhum outro telescópio atual consegue. 

Os astrônomos analisaram 12 anos de observações de M4 pelo Hubble e resolveram estrelas individuais. Os dados do Hubble tendem a excluir teorias alternativas para este objeto, tais como um aglomerado central compacto de remanescentes estelares não observados, como estrelas de nêutrons, ou buracos negros menores girando em volta uns dos outros.

A região é muito pequena com muita massa concentrada. É cerca de três vezes menor do que a massa escura mais densa que já foi encontrada em outros aglomerados globulares. A região é mais compacta do que pode ser reproduzido com simulações numéricas quando é considerado um conjunto de buracos negros, estrelas de nêutrons e anãs brancas segregadas no centro do aglomerado. 

Um grupo de objetos tão unidos seria dinamicamente instável. Se o objeto não for um único buraco negro de massa intermediária, seriam necessários cerca de 40 buracos negros menores, amontoados num espaço com apenas um-décimo de um ano-luz de diâmetro, para produzir os movimentos estelares observados. As consequências seriam a sua fusão e/ou ejeção, num jogo de pinball interestelar.

Foram medidos os movimentos das estrelas e as suas posições, e aplicados modelos físicos que tentam reproduzir estes movimentos. O resultado é a medição de uma extensão de massa escura no centro do aglomerado. Quanto mais perto da massa central, mais aleatoriamente as estrelas se movem. E quanto maior a massa central, mais rápidas são estas velocidades estelares. Dado que os buracos negros de massa intermediária nos aglomerados globulares têm sido tão esquivos, em alternativa, pode haver um mecanismo estelar que simplesmente não conhecemos, pelo menos no âmbito da física atual.

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society

Fonte: Space Telescope Science Institute

quinta-feira, 18 de maio de 2023

A inflação de raio estelar em Anãs M do Aglomerado das Híades

Com o objetivo de compreender melhor o fenômeno conhecido como "inflação de raio", pesquisadores liderados pelo doutorando do Observatório Nacional (ON/MCTI), Fábio Wanderley, analisaram um grupo de estrelas anãs M no aglomerado aberto das Híades.

© J. Mtanous (aglomerado aberto das Híades)

Inflação de raio é quando o raio de uma estrela é maior do que o previsto pelos modelos estelares que não consideram campos magnéticos. Os raios são inflados por efeito do campo magnético, por isso, modelos que não o consideram tendem a subestimá-los. 

O aglomerado das Híades é um aglomerado estelar aberto relativamente próximo, localizado a cerca de 43 parsecs de distância do Sol (1,33 quatrilhões de quilômetros ou cerca de 140 anos-luz), com aproximadamente 625 milhões de anos de idade. Por ser relativamente jovem, espera-se que as estrelas anãs M do aglomerado ainda mantenham seus campos magnéticos. 

De acordo com Wanderley, isso as torna uma escolha ideal para investigar o fenômeno de inflação do raio estelar, pois elas possuem uma maior probabilidade de apresentar as chamadas assinaturas de inflação. 

Ao analisar um conjunto de 48 estrelas anãs M do aglomerado, os pesquisadores descobriram que a inflação dos raios das estrelas anãs M tem relação com as manchas estelares, ou seja, com as áreas mais escuras e relativamente frias da superfície de estrelas que são geradas pelo campo magnético estelar. Alguns modelos indicam que estrelas como as anãs M, com uma maior cobertura de manchas, apresentam níveis mais altos de inflação de raio. 

Segundo Wanderley, este trabalho e seus resultados são úteis para aprimorar o conhecimento acerca da física de estrelas anãs M. Além disso, podem ajudar a estudar planetas que orbitam essas estrelas. Em conjunto com trabalhos que estudam campos magnéticos dessas estrelas anãs M, é possível também estudar a habitabilidade de sistemas planetários que orbitam estas estrelas. 

As chamadas estrelas anãs M são estrelas frias que pertencem à classe espectral M na sequência principal (faixa de estrelas no diagrama de Hertzsprung-Russell, que relaciona luminosidade e temperatura superficial das estrelas). Essas estrelas são consideravelmente menores e menos massivas que o Sol e são as mais comuns na nossa Galáxia.


© Como Novas (diagrama de Hertzsprung-Russell)

O diagrama de Hertzsprung-Russell (HR) é essencial para estudar a evolução estelar. Estrelas iniciam sua evolução na sequência principal, tornam-se gigantes ou supergigantes e se extinguem como anãs brancas ou, em casos mais raros, como estrelas de nêutrons e buracos negros. # 

Apesar de cerca de 75% das estrelas da nossa galáxia serem anãs M, a modelagem destas estrelas apresenta desafios dada a complexidade de seus espectros observados e o fato de elas serem pouco brilhantes, o que demanda um maior tempo para obtenção de espectros com maior sinal-ruído. Os espectros são uma espécie de “impressão digital" das estrelas e quanto maior o seu sinal-ruído, melhor a qualidade das observações e mais fácil é obter informações de qualidade sobre as características físicas das estrelas.

Segundo os pesquisadores, espera-se que estrelas do mesmo aglomerado aberto, como é o caso das estrelas anãs M deste estudo, tenham aproximadamente a mesma idade, tornando-as ideais para comparação com modelos físicos. Além disso, é esperado que essas estrelas tenham composições químicas semelhantes. Afinal, elas se originaram da mesma nuvem molecular, o que permite aos pesquisadores comparar parâmetros como a metalicidade com estrelas mais massivas já estudadas no aglomerado.

O estudo em questão fez a modelização das atmosferas das estrelas usando o método chamado “síntese espectral”, usando espectros no infravermelho do levantamento astronômico APOGEE (Apache Point Observatory Galactic Evolution Experiment), parte do SDSS IV (Sloan Digital Sky Survey IV), um projeto de grande escala que mapeou o céu e coletou dados de milhões de objetos astronômicos, incluindo estrelas, galáxias e quasares.

Foram determinados os parâmetros atmosféricos de 48 estrelas anãs M do aglomerado, como temperaturas efetivas, gravidades superficiais e metalicidades, além de outros parâmetros como luminosidades e raios estelares. Os raios obtidos foram comparados a diferentes modelos físicos de isócronas para analisar a inflação de raio. Isócronas são modelos que estimam características físicas estelares para uma determinada idade. 

O resultado encontrado foi que a inflação de raio de estrelas anãs M não é muito significativa e representa na média cerca de 2% de aumento do raio. Entretanto, a definição de inflação de raio é muito dependente do modelo estelar utilizado, já que os modelos diferem consideravelmente, sobretudo para estrelas anãs M menos massivas, que possuem interior totalmente convectivo, ou seja, aquelas em que a transferência de energia ocorre por convecção, inclusive no núcleo. 

Um dos resultados importantes foi que os raios obtidos para as anãs M das Híades podem ser explicados por modelos que consideram a presença de manchas estelares, indicando que estrelas com maior cobertura de manchas apresentam níveis mais altos de inflação de raio. Usando esses modelos, descobriu-se que a inflação observada em 76% da amostra pode ser explicada por uma cobertura de manchas de até 20%, enquanto as estrelas mais infladas podem ser explicadas por uma cobertura de manchas de até cerca de 40% da fotosfera estelar, a região visível da atmosfera de uma estrela. Também foi observado que estrelas com maior cobertura de manchas são, em média, mais ativas, exibindo maiores proporções entre a luminosidade de altas energias e a luminosidade bolométrica, ou seja, a medida da quantidade total de energia emitida por uma estrela. 

O estudo em questão resultou no artigo “Stellar characterization and radius inflation of Hyades M Dwarf Stars from the APOGEE Survey” aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: Observatório Nacional

sábado, 1 de abril de 2023

O nascimento de um aglomerado de galáxias no Universo primordial

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma equipe de astrônomos descobriu um vasto reservatório de gás quente no aglomerado de galáxias ainda em formação em torno da galáxia Teia de Aranha; trata-se da mais distante detecção de gás quente efetuada até agora.


© ALMA / Hubble (Teia de Aranha)

Os aglomerados de galáxias são uns dos maiores objetos conhecidos no Universo e este resultado revela-nos quão primordiais são de fato estas estruturas. Os aglomerados de galáxias, tal como o nome sugere, são constituídos por um enorme número de galáxias, que pode chegar a vários milhares. Estas estruturas contêm ainda um imenso meio “intra-aglomerado” gasoso que permeia o espaço entre as galáxias do aglomerado. Este gás tem consideravelmente mais massa do que as galáxias propriamente ditas. 

Muita da física dos aglomerados de galáxias é bem conhecida; no entanto observações das fases mais primordiais da formação do meio intra-aglomerado ainda são escassas. Anteriormente, este meio só tinha sido estudado em aglomerados de galáxias próximos e completamente formados. Contudo, detectar o meio intra-aglomerado em protoaglomerados distantes, isto é, em aglomerados de galáxias ainda se formando, permite aos astrônomos observar estas estruturas nas suas fases de formação iniciais.

Uma equipe liderada por Luca Di Mascolo, autor principal deste estudo e pesquisador na Universidade de Trieste, Itália, pretendeu detectar o meio intra-aglomerado num protoaglomerado do Universo primordial. Os aglomerados de galáxias são tão massivos que atraem gás que cai na direção dele e que, consequentemente, aquece.

Há mais de uma década que simulações cosmológicas preveem a presença de gás quente em protoaglomerados, no entanto, a confirmação observacional destas previsões tem faltado. Os astrônomos pretendem explorar o protoaglomerado Teia de Aranha, localizado numa época em que o Universo tinha apenas 3 bilhões de anos. Apesar de ser o protoaglomerado mais estudado, a presença do meio infra-aglomerado tem-se mantido elusiva.

A descoberta de um grande reservatório de gás quente no Teia de Aranha indicaria que o sistema estaria a caminho de ser tornar um aglomerado de galáxias propriamente dito e duradouro ao invés de se dispersar. A equipa de Di Mascolo detectou o meio intra-aglomerado do Teia de Aranha usando um efeito térmico chamado Sunyaev-Zeldovich (SZ). Este efeito ocorre quando a radiação cósmica de fundo de micro-ondas, ou seja, uma radiação vestígio do Big Bang, passa pelo meio intra-aglomerado e interage com os elétrons do gás quente que se deslocam em altas velocidades, o que faz com que a sua energia aumente um pouco e a sua cor, ou comprimento de onda, varie ligeiramente.

Nos comprimentos de onda adequados, o efeito SZ aparece-nos como um efeito de sombra do aglomerado de galáxias na radiação cósmica de fundo. Ao medir estas sombras na radiação cósmica de fundo, os astrônomos conseguem assim inferir a existência de gás quente, estimar a sua massa e mapear a sua forma

Os pesquisadores determinaram que o protoaglomerado Teia de Aranha contém um vasto reservatório de gás quente com uma temperatura de algumas dezenas de milhões de graus Celsius. Tinha sido já detectado anteriormente neste protoaglomerado gás frio, no entanto a massa de gás quente encontrada neste novo estudo é muito superior, da ordem de milhares de vezes maior. Este resultado mostra que o protoaglomerado Teia de Aranha deverá efetivamente transformar-se num aglomerado massivo de galáxias dentro de uns 10 bilhões de anos, aumentando ainda a sua massa de, pelo menos, um fator dez. 

O futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO e os seus instrumentos de vanguarda, tais como o HARMONI e o MICADO, serão capazes de observar protoaglomerados e mostrar as galáxias que aí residem com muito detalhe. Juntamente com as capacidades do ALMA em traçar o meio intra-aglomerado, fornecendo informação crucial sobre a formação das maiores estruturas do Universo primordial. 

Este trabalho foi publicado na revista Nature.

Fonte: ESO