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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Uma nova possível explicação para a tensão de Hubble

O Universo está se expandindo. A velocidade a que se expande é descrita pela chamada constante de Hubble-Lemaitre.

© U. Bonn (distribuição da matéria no espaço)

A imagem mostra a distribuição da matéria no espaço (azul; os pontos amarelos representam galáxias individuais). A Via Láctea (verde) encontra-se numa zona com pouca matéria. As galáxias na bolha movem-se na direção das densidades de matéria mais elevadas (setas vermelhas).

Mas há uma controvérsia acerca do valor preciso da constante de Hubble-Lemaitre: diferentes métodos de medição fornecem valores contraditórios. A chamada "tensão de Hubble" constitui um quebra-cabeças para os cosmólogos. 

Os pesquisadores das Universidades de Bonn e de St. Andrews propõem agora uma nova solução: utilizando uma teoria alternativa da gravidade, a discrepância entre os valores medidos pode ser facilmente explicada, a tensão de Hubble desaparece.

A expansão do Universo faz com que as galáxias se afastem umas das outras. A velocidade a que o fazem é proporcional à distância que as separa. Por exemplo, se a galáxia A estiver duas vezes mais longe da Terra do que a galáxia B, a sua distância de nós também aumenta duas vezes mais depressa. O astrônomo americano Edwin Hubble foi um dos primeiros a reconhecer esta relação. Para calcular a velocidade a que duas galáxias se afastam uma da outra, é necessário saber a distância que as separa. 

No entanto, isto também requer uma constante pela qual esta distância deve ser multiplicada. Esta é a chamada constante de Hubble-Lemaitre, um parâmetro fundamental em cosmologia. O seu valor pode ser determinado, por exemplo, observando as regiões muito distantes do Universo. Isto dá uma velocidade de quase 244.000 quilômetros por hora por megaparsec de distância (um megaparsec corresponde a pouco mais de três milhões de anos-luz). 

Mas também podemos olhar para corpos celestes que estão muito mais perto de nós, as chamadas supernovas do Tipo Ia, que são uma determinada categoria de explosão estelar. É possível determinar com grande exatidão a distância de uma supernova do Tipo Ia à Terra. Também sabemos que os objetos brilhantes mudam de cor quando se afastam de nós, e quanto mais depressa se afastam, mais forte é a mudança. Isto é semelhante a uma ambulância, cuja sirene soa mais grave à medida que se afasta de nós. Se calcularmos a velocidade das supernovas do Tipo Ia a partir da sua mudança de cor e a correlacionarmos com a sua distância, chegamos a um valor diferente para a constante de Hubble-Lemaitre, ou seja, um pouco menos de 264.000 quilômetros por hora por megaparsec de distância.

O Universo parece, portanto, estar se expandindo mais rapidamente na nossa vizinhança, ou seja, até uma distância de cerca de três bilhões de anos-luz do que na sua totalidade. No entanto, foi recentemente feita uma observação que pode explicar este fato. De acordo com esta observação, a Terra está localizada numa região do espaço onde existe relativamente pouca matéria, comparável a uma bolha de ar num bolo. A densidade da matéria é maior à volta da bolha. As forças gravitacionais emanam desta matéria circundante, que puxa as galáxias na bolha para as orlas da cavidade. 

Outro grupo de pesquisa mediu recentemente a velocidade média de um grande número de galáxias que se encontram a 600 milhões de anos-luz de nós. Descobriu-se que estas galáxias se afastam de nós quatro vezes mais depressa do que o modelo padrão da cosmologia permite. Isto deve-se ao fato de o modelo padrão não prever estas "bolhas", elas não deveriam realmente existir. Em vez disso, a matéria deveria estar distribuída uniformemente no espaço. Se fosse este o caso, seria difícil explicar quais as forças que impulsionam as galáxias para a sua alta velocidade.

Os pesquisadores utilizaram uma teoria da gravidade modificada numa simulação em computador. Esta "dinâmica newtoniana modificada" denominada MOND (Modified Newtonian dynamics) foi proposta há quatro décadas pelo físico israelita prof. Dr. Mordehai Milgrom. Atualmente, ainda é considerada uma teoria "forasteira". Contudo, nos cálculos desta pesquisa, a teoria MOND prevê com exatidão a existência de tais bolhas. Se se assumisse que a gravidade se comporta de acordo com os pressupostos de Milgrom, a tensão de Hubble desapareceria: haveria apenas uma constante para a expansão do Universo e os desvios observados deveriam ser irregularidades na distribuição da matéria.

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Universität Bonn

domingo, 1 de outubro de 2023

Nova revisão da massa da Via Láctea

Graças ao catálogo mais recente do satélite Gaia da ESA, uma equipe internacional liderada por astrônomos do Observatório de Paris e do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique) obteve a medição mais precisa da massa da Via Láctea.

© NASA / JPL-Caltech (ilustração da Via Láctea)

Este estudo abre questões importantes na cosmologia, nomeadamente acerca da quantidade de matéria escura contida na nossa Galáxia. A massa total da Via Láctea está estimada em apenas 200 bilhões de vezes a do Sol, o que representa uma revisão em baixa significativa, cerca de quatro a cinco vezes inferior às estimativas anteriores. 

Este novo valor foi obtido a partir do terceiro lançamento de dados do catálogo Gaia, publicado em 2022, que fornece dados abrangentes sobre 1,8 bilhões de estrelas, englobando as três componentes espaciais e as três componentes de velocidade num espaço de seis dimensões dentro da Via Láctea. 

Utilizando os dados do Gaia, os cientistas conseguiram construir a curva de rotação mais exata alguma vez observada para uma galáxia espiral e deduzir a massa da Via Láctea. Antes do Gaia, obter uma curva de rotação robusta para a Via Láctea era um desafio, ao contrário do que acontecia com as outras galáxias espirais. Este desafio resultava da nossa posição no interior da Via Láctea, o que tornava impossível distinguir com precisão os movimentos e as distâncias das estrelas no disco galáctico. 

No estudo recente, a curva de rotação da nossa Galáxia é atípica: ao contrário das determinadas para outras grandes galáxias espirais, não é achatada. Pelo contrário, na periferia do disco da nossa Galáxia, esta curva começa a diminuir rapidamente, seguindo a previsão conhecida como declínio Kepleriano. 

A obtenção de uma curva de rotação para a Via Láctea que exiba um declínio Kepleriano exige que a nossa Galáxia seja enquadrada num contexto cosmológico. Um dos maiores avanços da astronomia moderna foi a constatação de que as velocidades de rotação dos grandes discos das galáxias espirais eram muito mais rápidas do que seria de esperar de um declínio Kepleriano. 

Na década de 1970, os astrônomos: Vera Rubin, que utilizou observações de gás ionizado, e Albert Bosma, que estudou gás neutro, demonstraram que a velocidade de rotação das galáxias espirais permanece constante, muito para além dos seus discos ópticos.

A consequência imediata desta descoberta foi a proposta da existência de matéria escura, adicional à matéria observável, distribuída num halo que envolve os discos das galáxias espirais. Sem esta matéria escura, as curvas de rotação teriam seguido um declínio Kepleriano. Este último indica a ausência de quantidades significativas de matéria fora do disco óptico. É o caso da Via Láctea, segundo o estudo atual. 

Considerando que a matéria comum (estrelas e gás frio) da Via Láctea é geralmente estimada em pouco mais de 0,6x10¹¹ massas solares, representa cerca de um-terço da matéria total. Este fato constitui uma revolução na cosmologia, uma vez que até agora se concordava que a matéria escura deveria ser pelo menos seis vezes mais abundante do que a matéria comum. 

Se a maioria das outras grandes galáxias espirais não exibe uma curva de rotação com um declínio Kepleriano, o que é que torna a nossa Galáxia tão diferente? Uma explicação possível pode ser que a Via Láctea tenha sofrido relativamente poucas perturbações devido a colisões violentas entre galáxias. A sua última grande fusão ocorreu há cerca de 9 bilhões de anos, em contraste com a média de 6 bilhões de anos para outras galáxias espirais. Em qualquer caso, isto indica que a curva de rotação obtida para a Via Láctea é particularmente precisa, não sendo afetada pelos resíduos de uma colisão tão antiga.

A segunda possibilidade pode surgir das diferenças metodológicas entre a curva de rotação derivada dos dados de seis dimensões de estrelas fornecidos pelo satélite Gaia, por exemplo, para a Via Láctea, e as curvas de rotação derivadas usando gás neutro para outras galáxias. Este trabalho abre caminho para uma reavaliação das curvas de rotação das grandes galáxias espirais e do seu conteúdo em matéria comum e escura. 

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics

Fonte: Observatoire de Paris

terça-feira, 19 de setembro de 2023

O mistério da Tensão de Hubble

O ritmo de expansão do Universo, a que se dá o nome constante de Hubble, é um dos parâmetros fundamentais para compreender a evolução e o destino final do cosmos. No entanto, observa-se uma diferença persistente, designada por "Tensão de Hubble", entre o valor da constante medido com uma vasta gama de indicadores de distância independentes e o seu valor previsto a partir do brilho remanescente do Big Bang.

© Hubble / Webb (NGC 5584)

Observações combinadas do instrumento NIRCam (Near-Infrared Camera) do Webb e do WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble mostram a galáxia espiral NGC 5584, que se encontra a 72 milhões de anos-luz da Terra. Entre as estrelas brilhantes da NGC 5584 encontram-se estrelas pulsantes chamadas variáveis Cefeidas e supernovas do Tipo Ia, uma classe especial de estrelas em explosão. Os astrônomos utilizam as variáveis Cefeidas e as supernovas do Tipo Ia como marcadores de distância para medir o ritmo de expansão do Universo.

O telescópio espacial James Webb fornece novas capacidades para analisar e aperfeiçoar algumas das mais fortes evidências observacionais da Tensão de Hubble. Adam Riess, da Universidade Johns Hopkins e do STScI (Space Telescope Science Institute), laureado com o Prêmio Nobel, apresenta o seu trabalho recente e o dos seus colegas, utilizando observações do Webb para melhorar a precisão das medições locais da constante de Hubble. 

Os cosmólogos querem decifrar um sinal cósmico de limite de velocidade que fornece a que velocidade o Universo está se expandindo, ou seja, um número chamado constante de Hubble. Este sinal está escrito nas estrelas de galáxias distantes. O brilho de certas estrelas nestas galáxias mostra a que distância estão e, portanto, durante quanto tempo esta luz viajou até chegar a nós, e os desvios para o vermelho das galáxias revelam quanto o Universo se expandiu durante este tempo, indicando o ritmo de expansão. 

Uma classe particular de estrelas, as variáveis Cefeidas, fornece as medições de distância mais precisas desde há mais de um século, porque estas estrelas são extraordinariamente brilhantes: são estrelas supergigantes, com uma luminosidade cem mil vezes superior à do Sol. Além disso, elas pulsam durante um período de semanas que indica a sua luminosidade relativa. Quanto mais longo for o período, mais brilhantes são intrinsecamente. São a ferramenta de referência para medir as distâncias de galáxias a cem milhões de anos-luz de distância ou mais, um passo crucial para determinar a constante de Hubble. Infelizmente, as estrelas nas galáxias estão amontoadas num pequeno espaço a partir do nosso ponto de vista distante e, por isso, muitas vezes não possui resolução necessária para as separar das suas vizinhas na linha de visão.

Uma das principais justificações para a construção do telescópio espacial Hubble foi a resolução deste problema. Antes do lançamento do Hubble em 1990 e das subsequentes medições das Cefeidas, o ritmo de expansão do Universo era tão incerto que os astrônomos nem sabiam se o Universo estava se expandindo. Isto porque um ritmo de expansão mais rápido leva a uma idade mais jovem do Universo e um ritmo de expansão mais lento a uma idade mais velha do Universo. O Hubble tem uma melhor resolução no comprimento de onda visível do que qualquer telescópio terrestre porque está situado acima dos efeitos de desfocagem da atmosfera da Terra. Como resultado, pode identificar variáveis Cefeidas individuais em galáxias que estão a mais de cem milhões de anos-luz de distância e medir o intervalo de tempo durante o qual mudam de brilho.

No entanto, também temos de observar as Cefeidas na parte do infravermelho próximo do espectro, para ver a luz que passa incólume através da poeira (a poeira absorve e dispersa a luz visível azul, fazendo com que os objetos distantes pareçam tênues e dando o aspecto que estão mais longe do que estão). Infelizmente, a visão da luz vermelha do Hubble não é tão nítida como a da luz azul, pelo que a luz das estrelas Cefeidas que vemos está misturada com outras estrelas no seu campo de visão. Porém, a visão nítida no infravermelho é a especialidade do telescópio espacial James Webb. Com o seu grande espelho e óptica sensível, consegue separar facilmente a luz das Cefeidas das estrelas vizinhas com pouca mistura. 

No primeiro ano de operações do Webb, foram recolhidas observações de Cefeidas encontradas pelo Hubble em dois passos ao longo do que é conhecido como a escada de distâncias cósmicas. O primeiro passo envolve a observação de Cefeidas numa galáxia (NGC 4258) com uma distância geométrica conhecida que permite calibrar a verdadeira luminosidade das Cefeidas. O segundo passo é observar Cefeidas nas galáxias hospedeiras de supernovas recentes do Tipo Ia. A combinação dos dois primeiros passos transfere o conhecimento da distância às supernovas para calibrar as suas verdadeiras luminosidades. O terceiro passo é observar estas supernovas a uma grande distância, onde a expansão do Universo é aparente e pode ser medida comparando as distâncias inferidas a partir da sua luminosidade e os desvios para o vermelho das galáxias hospedeiras das supernovas. Esta sequência de passos é conhecida como a escada de distâncias.

Foram observadas mais de 320 Cefeidas nas duas primeiras etapas. Confirmou-se que as anteriores medições do telescópio espacial Hubble eram exatas, embora mais ruidosas. Também foram observadas mais quatro hospedeiras de supernovas com o Webb e verificou-se um resultado semelhante para toda a amostra.

O que os resultados ainda não explicam o motivo do Universo parece estar se expandindo tão rapidamente! Podemos prever o ritmo de expansão do Universo observando a sua imagem primordial, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas e depois utilizar o melhor modelo de como cresce ao longo do tempo para evidenciar a que velocidade o Universo deverá estar se expandindo atualmente. O fato de a medida atual do ritmo de expansão exceder significativamente a previsão é um problema que já dura há uma década, a chamada "Tensão de Hubble". 

A possibilidade mais excitante é que ela seja uma pista sobre algo que está faltando na compreensão do cosmos. Pode indicar a presença de energia escura exótica, matéria escura exótica, uma revisão da compreensão da gravidade, a presença de uma partícula ou campo único. O mistério da Tensão de Hubble aprofunda-se.

Fonte: Space Telescope Science Institute

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Evidência observacional que liga os buracos negros à energia escura

Pesquisando dados existentes que abrangem 9 bilhões de anos, uma equipe de pesquisadores liderada por cientistas da Universidade do Havaí descobriu a primeira evidência de "acoplamento cosmológico", ou seja, um fenômeno recentemente previsto na teoria da gravidade de Einstein, possível apenas quando são colocados buracos negros dentro de um Universo em evolução.

© U. Havaí (ilustração de um buraco negro supermassivo)

Os astrofísicos Duncan Farrah, do Instituto para Astronomia e do Departamento de Física e Astronomia, e Kevin Croker, professor de física e astronomia, lideraram este ambicioso estudo, combinando a perícia em evolução galáctica e a teoria da gravidade com a experiência de observação e análise de pesquisadores de nove países para fornecer as primeiras informações sobre o que poderá existir dentro de buracos negros reais.

A equipe estudou os buracos negros supermassivos nos núcleos de galáxias antigas e inativas. Foi descoberto que estes buracos negros ganham massa ao longo de bilhões de anos de uma forma que não pode ser facilmente explicada pelos processos normais da galáxia e dos buracos negros, tais como fusões ou acreção de gás. O crescimento em massa destes buracos negros corresponde às previsões para os buracos negros que não só se acoplam cosmologicamente, mas também incluem energia de vácuo, material que resulta do aperto de matéria tanto quanto possível sem quebrar as equações de Einstein, evitando assim uma singularidade. Com a ausência de singularidades, a energia de vácuo combinada dos buracos negros produzidos nas mortes das primeiras estrelas do Universo está em acordo com a quantidade medida de energia escura no nosso Universo.

"Estamos realmente dizendo duas coisas ao mesmo tempo: que há evidências de que as soluções típicas dos buracos negros não funcionam a longo prazo, e que temos a primeira fonte astrofísica proposta para a energia escura," disse Farrah. 

Estas novas medições, se apoiada por mais evidências, vão redefinir a nossa compreensão do que é um buraco negro. A equipe determinou como utilizar as medições existentes de buracos negros para procurar um acoplamento cosmológico. 

Os buracos negros são também difíceis de observar durante longos períodos de tempo. As observações podem ser feitas durante alguns segundos, ou dezenas de anos no máximo, tempo insuficiente para detectar como um buraco negro pode mudar ao longo da duração do Universo. Ver como os buracos negros mudam durante uma escala de bilhões de anos é uma tarefa complicada. Seria necessário identificar uma população de buracos negros e obter a sua distribuição de massa há bilhões de anos. Então a mesma população, ou uma população ancestralmente ligada, teria que ser observada nos dias de hoje e novamente ser capaz de medir a sua massa.

Os esforços foram concentrados apenas nos buracos negros em galáxias elípticas em evolução passiva, para resolver esta questão. As galáxias elípticas são enormes e formaram-se cedo. Elas possivelmente são o resultado final de colisões de galáxias, enormes em tamanho e com trilhões de estrelas antigas. Ao olhar apenas para galáxias elípticas sem atividade recente, a equipe pôde argumentar que quaisquer alterações nas massas dos seus buracos negros não poderiam ser facilmente causadas por outros processos conhecidos.

Utilizando estas populações, a equipe examinou como a massa dos seus buracos negros centrais mudou ao longo dos últimos 9 bilhões de anos. Se o crescimento em massa dos buracos negros ocorresse através da acreção ou fusão, então não se esperaria que as massas destes buracos negros mudassem muito. No entanto, se os buracos negros ganharem massa através do acoplamento ao Universo em expansão, então estas galáxias elípticas em evolução passiva poderiam revelar este fenômeno.

Os cientistas descobriram que quanto mais para trás no tempo olhavam, menores eram os buracos negros em massa, em relação às suas massas atuais. Estas mudanças foram grandes: os buracos negros eram hoje 7 a 20 vezes mais massivos do que eram há 9 bilhões de anos, suficientemente grandes para que o acoplamento cosmológico pudesse ser responsável. 

A equipe também analisou se o crescimento dos buracos negros medidos no primeiro estudo podia ser explicado apenas pelo acoplamento cosmológico. Podemos pensar num buraco negro acoplado como um elástico, sendo esticado juntamente com o Universo à medida este se expande. À medida que é esticado, a sua energia aumenta. A equação E = m.c^2 de Einstein diz-nos que a massa e a energia são proporcionais, pelo que a massa do buraco negro também aumenta. Quanto essa massa aumenta depende da força de acoplamento, uma variável chamada de k. Quanto mais forte for o elástico, mais difícil é de esticar, portanto, mais energia tem quando esticado. 

Uma vez que o crescimento em massa dos buracos negros, devido ao acoplamento cosmológico, depende do tamanho do Universo, e o Universo era menor no passado, os buracos negros no primeiro estudo têm que ser menos massivos, no valor correto, para que a explicação do acoplamento cosmológico funcione. 

A equipe examinou cinco populações diferentes de buracos negros em três coleções diferentes de galáxias elípticas, retiradas de quando o Universo tinha aproximadamente metade e um-terço do seu tamanho atual. Em cada comparação, esse k era quase 3. Então todos os buracos negros no Universo contribuem coletivamente com uma densidade de energia escura quase constante, tal como as medições de energia escura sugerem. Os buracos negros provêm de grandes estrelas mortas, por isso se soubermos quantas estrelas grandes são produzidas, podemos estimar quantos buracos negros são também produzidos e quanto crescem como resultado do acoplamento cosmológico.

A equipe utilizou as medições mais recentes do ritmo de formação estelar primitiva fornecidas pelo telescópio espacial James Webb e descobriu que os números alinham. De acordo com os pesquisadores, os seus estudos fornecem um quadro para os físicos teóricos e para os astrônomos continuarem testando e para a atual geração de experiências de energia escura como o DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument) e o DES (Dark Energy Survey). 

Este modelo atualmente deve ser considerado como uma hipótese excitante, que pode ser testada experimentalmente com mais estudos dos dados existentes. Se confirmada, representa uma grande mudança na cosmologia e aponta para uma revolução na nossa compreensão do Universo. 

Foram publicados recentemente dois artigos científicos, um no periódico The Astrophysical Journal e o outro no The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Imperial College London

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O Universo pode ser mais instável do que pensamos

A estabilidade final do vácuo do nosso Universo pode estar nas massas de duas partículas fundamentais, o bóson de Higgs, que habita todo o espaço e tempo, e o quark top.

© Tunnel Motions (ilustração de um bóson de Higgs)

As últimas medições dessas massas revelam que nosso Universo é metaestável, o que significa que pode persistir em seu estado atual essencialmente para sempre, ou não. 

Nosso Universo nem sempre foi o mesmo. Nos primeiros momentos do Big Bang, quando o cosmos era uma mera fração de seu tamanho atual, as energias e temperaturas eram tão altas que até mesmo as regras fundamentais da física eram completamente diferentes. Mais notavelmente, ao mesmo tempo, todas as quatro forças da natureza (gravidade, eletromagnetismo, nuclear forte e nuclear fraca) foram fundidas em uma única força unificada. A natureza dessa força unificada permanece um mistério, mas à medida que o Universo se expandiu e esfriou desde o estado inicial, as forças se separaram.

Primeiro veio a gravidade, depois a nuclear forte e, por último, o eletromagnetismo e a força nuclear fraca se separaram. Essa última etapa podemos recriar em laboratório. Nos colisores de partículas mais poderosos, é possível obter as energias necessárias para temporariamente, pelo menos, recombinar essas forças em uma única força “eletrofraca”. 

Cada vez que as forças se dividiam, o cosmos passava por uma transição de fase radical, povoado por novas partículas e forças. Por exemplo, a força eletrofraca unificada é transportada por um quarteto de partículas sem massa, mas a força eletromagnética é transportada por uma única partícula sem massa, o fóton, enquanto três partículas massivas (W-, W+ e Z) carregam a nuclear fraca. Se essas duas forças não tivessem se separado, a vida como a conhecemos, que depende de interações eletromagnéticas para unir átomos em moléculas, simplesmente não existiria. 

O Universo não passou por tal reorganização de forças fundamentais em mais de 13 bilhões de anos, mas isso não significa que não seja capaz de repetir os mesmos truques. A estabilidade atual do vácuo depende de como foi a divisão da força eletrofraca. Essa divisão trouxe o Universo ao seu estado fundamental final de energia mais baixa? Ou é apenas uma parada no caminho de sua evolução posterior?

A resposta se resume às massas de duas partículas fundamentais. Uma delas é o bóson de Higgs, que desempenha um papel importante na física: sua existência desencadeou a separação das forças eletromagnética e nuclear fraca há bilhões de anos. A princípio, quando nosso Universo era quente e denso, o bóson de Higgs permaneceu em segundo plano, permitindo que a força eletrofraca governasse sem impedimentos. Mas uma vez que o Universo esfriou além de um certo ponto, este bóson tornou sua presença conhecida e interferiu com essa força, criando uma separação que foi mantida desde então.

A massa do bóson de Higgs determinou quando essa divisão aconteceu e regula o quão “forte” essa separação é hoje. Mas o ele desempenha outro papel importante na física: ao interagir com muitas outras partículas, ele dá massa a essas partículas. A força com que uma partícula se conecta ao Higgs governa a massa dessa partícula. Por exemplo, o elétron quase não interage com o Higgs, então ele ganha uma massa leve de 511 MeV. No outro extremo do espectro, o quark top interage mais com o Higgs, tornando-o o objeto mais pesado no Modelo Padrão da física de partículas, pesando 175 GeV.

Na física de partículas, as partículas estão constantemente interagindo e interferindo com todos os outros tipos de partículas, mas a força dessas interações depende das massas das partículas. Então, quando ocorre a tentativa de avaliar qualquer coisa que envolva o bóson de Higgs, como sua capacidade de manter a separação entre as forças eletromagnética e nuclear fraca, é necessário também considerar como as outras partículas vão interferir nesse esforço. 

E como o quark top é facilmente o maior do grupo (o segundo maior, o quark bottom, pesa apenas 5 GeV), é essencialmente a única outra partícula que há necessidade de atenção. 

Quando foi calculado pela primeira vez a estabilidade do Universo, conforme determinado pela capacidade do bóson de Higgs de manter a separação da força eletrofraca, não se sabia a massa nem do próprio Higgs nem do quark top. Inserir as duas massas destas partículas nas equações de estabilidade revela que o Universo é metaestável. Isso é diferente de estável, o que significaria que não há chance de o Universo se dividir instantaneamente, mas também diferente de instável, o que significaria que já aconteceu. Em vez disso, o Universo está equilibrado em uma posição bastante precária: ele pode permanecer em seu estado atual indefinidamente, mas se algo perturbasse o espaço-tempo da maneira errada, ele se transformaria em um novo estado fundamental.

Como seria esse novo estado? É impossível dizer, pois o novo Universo apresentaria uma nova física, com novas partículas e novas forças da natureza. Mas é seguro dizer que a vida seria diferente, se não completamente impossível. O que é pior, pode já ter acontecido. Algum canto do cosmos pode já ter começado a transição, com a bolha de uma nova realidade se expandindo na velocidade da luz. Não saberíamos que nos atingiu até que já chegasse.

Fonte: Astronomy

sábado, 29 de maio de 2021

O Dark Energy Survey cataloga milhões de galáxias

O último lançamento da Dark Energy Survey (DES) cataloga milhões de galáxias, mapeando a história da aglomeração de galáxias no espaço e no tempo.

© DES (campos profundos captados pela câmara Dark Energy)

Em uma das maiores pesquisas do céu já feitas, os astrônomos captaram 226 milhões de galáxias numa distância até 7 bilhões de anos-luz em uma área que cobre cerca de um oitavo de todo o céu. 

Este tesouro de dados fornece aos cientistas a melhor sonda da evolução cósmica e ilumina o papel da matéria escura e da energia escura na formação da estrutura em grande escala do Universo. 

A DES começou em agosto de 2013. Em 27 de maio, a colaboração internacional publicou seu segundo lançamento de dados, cobrindo os primeiros três anos de observações. Os resultados são descritos em 30 artigos científicos, disponíveis no site do DES

“É um lindo conjunto de dados”, diz René Laureijs, cientista do projeto da missão Euclides da Agência Espacial Europeia.

Os novos resultados apoiam o modelo padrão ΛCDM, no qual o Universo é governado por 68,5% de energia escura (ou lambda, Λ) e 26,6% de matéria escura fria, ingredientes misteriosos que obscurecem amplamente os 4,9% restantes de matéria ordinária nas galáxias, estrelas, planetas e pessoas. 

Porém, há uma discrepância persistente: assim como outras pesquisas, o DES descobriu que o Universo atual é um pouco menos "desordenado" do que o modelo ΛCDM poderia prever. Ninguém sabe por quê. 

A verdadeira estrela da pesquisa é a enorme Câmera de Energia Escura de 570 megapixels, construída pelo Departamento de Energia do Fermilab em Chicago e montada no foco principal do Telescópio Blanco de 4 metros no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no Chile . 

Noite após noite, ela captou centenas de exposições de 90 segundos, cada uma com a largura de quatro luas cheias. Ao longo dos anos, toda a área de pesquisa de 5.000 graus quadrados foi fotografada pelo menos 10 vezes até uma magnitude limite de 23,3, enquanto dez campos profundos foram estudados repetidamente com ainda mais detalhes.

Com base no brilho de uma galáxia em cinco bandas de comprimento de onda na luz visível e infravermelha próxima, a equipe do DES pode determinar seu redshift fotométrico, que produz uma estimativa de distância aproximada, mas confiável. 

Assim, os astrônomos são capazes de discernir a evolução do agrupamento de galáxias ao longo da história do Universo, o que lança luz sobre as ações da matéria escura e da energia escura. 

As estimativas do chamado cisalhamento cósmico, distorções de forma diminutas devido a lentes gravitacionais fracas, fornecem informações adicionais sobre a distribuição da matéria escura. A elaborada análise de dados foi realizada no National Center for Supercomputer Applications da University de Illinois. 

Embora a exploração pela DES tenha sido concluída no início de 2019, os dados dos últimos três anos ainda estão sendo processados, e novos resultados surgiram em breve.

Enquanto isso, um levantamento espectroscópico de galáxias igualmente impressionante decolou oficialmente há algumas semanas no telescópio Mayall de 4 metros no Observatório Nacional Kitt Peak, no Arizona. O aparelho é similarmente denominado Dark Energy Spectroscopic Instrument, visa captar espectros de dezenas de milhões de galáxias e quasares nos próximos cinco anos. 

Com lançamento previsto para o final de 2022, a missão espacial Euclid irá realizar uma pesquisa ainda maior e mais profunda com objetivos cosmológicos semelhantes. O Euclid estudará cerca de 15 vezes mais galáxias do que o Dark Energy Survey fez, a distâncias de 10 bilhões de anos-luz, medindo seu brilho (focando no infravermelho) e tomando seu espectro. Realmente, é necessário uma precisão maior para validar definitivamente o modelo ΛCDM.

Fonte: Sky & Telescope

terça-feira, 11 de maio de 2021

Supernovas "gêmeas" auxiliam na cosmologia de precisão

Os cosmólogos descobriram uma maneira de duplicar a precisão da medição de distâncias até explosões de supernova, uma das suas ferramentas testadas e comprovadas para o estudo da misteriosa energia escura que está fazendo com que o Universo se expanda cada vez mais depressa.

© Observatório Las Cumbres (SN 2011fe na Galáxia do Cata-Vento)

Os resultados da colaboração Nearby Supernova Factory (SNfactory), liderada por Greg Aldering do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (Berkeley Lab) do Departamento de Energia dos EUA, permitirão aos cientistas estudar a energia escura com precisão e exatidão bastante aprimoradas e fornecer uma verificação cruzada poderosa da técnica através de vastas distâncias e do tempo.

As descobertas também serão fundamentais para as próximas experiências cosmológicas que vão usar novos telescópios terrestres e espaciais para testar explicações alternativas da energia escura. 

As supernovas foram usadas em 1998 para fazer a surpreendente descoberta de que a expansão do Universo está acelerando, ao invés de desacelerar como era esperado. Esta aceleração - atribuída à energia escura que compõe dois-terços de toda a energia no Universo - foi desde então confirmada por uma variedade de técnicas independentes, bem como por estudos mais detalhados de supernovas.

A descoberta da energia escura dependeu da utilização de uma classe específica de supernovas, as do Tipo Ia. Estas supernovas explodem sempre com quase o mesmo brilho máximo intrínseco. Dado que o brilho máximo observado da supernova é usado para inferir a sua distância, as pequenas variações restantes no brilho máximo intrínseco limitaram a precisão com a qual a energia escura podia ser testada.

Apesar de 20 anos de melhorias por muitos grupos, os estudos da energia escura por meio de supernovas até agora permaneceram limitados por estas variações. Os novos resultados anunciados pela colaboração SNfactory vêm de um estudo de vários anos dedicado inteiramente para aumentar a precisão das medições cosmológicas feitas com supernovas.

A medição da energia escura requer comparações dos brilhos máximos de supernovas distantes a bilhões de anos-luz de distância com os de supernovas próximas a "apenas" 300 milhões de anos-luz de distância.

A equipe estudou centenas destas supernovas próximas com detalhes requintados. Cada supernova foi medida várias vezes, em intervalos de alguns dias. Cada medição examinou o espectro da supernova, registrando a sua intensidade em toda a gama de comprimentos de onda da luz visível. 

Um instrumento feito sob medida para esta pesquisa, o SNIFS (SuperNova Integral Field Spectrometer), instalado no telescópio de 2,2 metros da Universidade do Havaí em Maunakea, foi usado para medir os espectros.

"Há muito tempo que temos esta ideia de que, se a física da explosão de duas supernovas fosse a mesma, os seus brilhos máximos seriam os mesmos. Usando os espectros da colaboração SNfactory como uma espécie de tomografia computorizada da explosão de supernova, pudemos testar esta ideia," disse Saul Perlmutter, laureado com o Prêmio Nobel de Física em 2011, cientista sênior do Berkeley Lab e professor da Universidade da Califórnia

De fato, há vários anos a física Hannah Fakhouri, na ocasião uma estudante que trabalhava com Perlmutter, fez uma descoberta chave para os resultados de hoje. Olhando para uma variedade de espectros obtidos pela colaboração SNfactory, ela descobriu que, em vários casos, os espectros de duas supernovas diferentes pareciam quase idênticos. Entre as cerca de 50 supernovas, algumas eram gêmeas virtualmente idênticas. Quando os espectros ondulantes de um par de gêmeas foram sobrepostos, a olho nu parecia haver apenas uma única impressão. 

A análise atual baseia-se nesta observação para modelar o comportamento das supernovas no período de tempo perto do seu brilho máximo. O novo trabalho quase quadruplica o número de supernovas usadas na análise. Isto tornou a amostra grande o suficiente para aplicar técnicas de aprendizagem de máquina e identificar estas gêmeas, levando à descoberta de que os espectros das supernovas do Tipo Ia variam de apenas três maneiras. Os brilhos intrínsecos das supernovas também dependem principalmente destas três diferenças observadas, tornando possível a medição das distâncias das supernovas com uma incrível precisão de cerca de 3%. 

Dado que as galáxias próximas são um pouco diferentes das distantes, havia uma séria preocupação de que tal dependência produzisse leituras falsas na medição da energia escura. Agora, esta preocupação pode ser bastante reduzida medindo supernovas distantes com esta nova técnica. 

A medição convencional de distâncias de supernovas usa curvas de luz, ou seja, imagens obtidas em várias cores conforme uma supernova se ilumina e desvanece. Ao invés, foi usado um espectro de cada supernova. Estes são muito mais detalhados e, com as técnicas de aprendizagem de máquina, tornou-se possível discernir o comportamento complexo que era fundamental para medir distâncias mais precisas.

Os resultados vão beneficiar duas grandes experiências futuras. A primeira será no Observatório Vera Rubin de 8,4 metros, em construção no Chile, com o seu levantamento LSST (Legacy Survey of Space and Time). O segundo é o futuro telescópio espacial Nancy Grace Roman da NASA. Estes telescópios vão medir milhares de supernovas para melhorar ainda mais a medição da energia escura. Serão capazes de comparar os seus resultados com medições feitas usando técnicas complementares.

Estas descobertas são relatadas em dois artigos publicados no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Lawrence Berkeley National Laboratory

domingo, 21 de julho de 2019

O que são buracos negros de massa intermediária?

Os buracos negros são objetos muito densos que contêm tanta matéria aprisionada em um volume tão pequeno que sua gravidade é forte o suficiente para impedir que até mesmo a luz escape de suas superfícies.


© B. Kiziltan/T. Karacan (ilustração de buraco negro de massa intermediária)

Embora a primeira previsão de um buraco negro tenha sido feita há quase 250 anos pelo filósofo e clérigo inglês John Michell, o primeiro candidato ao buraco negro, Cygnus X-1, só foi descoberto em 1971.

Nas últimas décadas, os astrônomos compilaram muitas evidências da existência de buracos negros em ambas as extremidades do espectro de massa. Pesquisadores descobriram pequenos buracos negros que pesam apenas até 100 vezes a massa do Sol, bem como buracos negros supermassivos que podem atingir bilhões de vezes a massa de seus irmãos de tamanho estelar.

Acredita-se que os buracos negros de massa estelar se formam quando uma estrela relativamente massiva morre de forma espetacular. Enquanto a estrela exausta queima seus traços finais de combustível, sua imensa gravidade faz com que ela desmorone sobre si mesma. Se a estrela em colapso não for muito grande, o material ressalta o núcleo denso da estrela. Isso causa uma explosão de supernova, geralmente deixando para trás uma minúscula anã branca ou uma estrela de nêutrons. Mas se o remanescente sobrevivente for maior do que cerca de três massas solares, nem mesmo os nêutrons bem compactados podem impedir que o núcleo do tamanho de uma cidade continue a coalescer em um buraco negro de massa estelar.

Por outro lado, existe também uma classe de buracos negros conhecidos como buracos negros supermassivos, que servem como âncoras gravitacionais centrais da maioria, se não de todas, grandes galáxias. Embora os buracos negros supermassivos estejam entre milhões e bilhões de vezes a massa do Sol, eles carregam toda esta matéria em uma região aproximadamente do tamanho de uma única estrela. Existem muitas linhas de evidência que indicam que estes gigantes cósmicos são comuns em todo o Universo, mas exatamente como e quando eles se formaram ainda permanece um mistério.

Mas, também não deveria existir uma classe de buracos negros de tamanho intermediário que dividem a diferença entre buracos negros de massa estelar e supermassivos? Estes pesos médios cósmicos, que variam de cerca de 100 a 1 milhão de massas solares, são referidos como buracos negros de massa intermediária. E embora os astrônomos tenham encontrado vários candidatos de buracos negros de massa intermediária convincentes espalhados pelo Universo, ainda não se sabe se eles realmente existem. No entanto, a evidência está começando a se acumular.

Embora a prova conclusiva dos buracos negros de massa intermediária continue indefinida, nas últimas décadas, tem havido uma série de estudos que revelaram evidências intrigantes indicando a existência destes buracos negros.

Por exemplo, em 2003, os pesquisadores usaram o observatório espacial XMM-Newton da ESA para identificar duas fontes de raios X distintas na galáxia NGC 1313. Porque os buracos negros tendem a engolir ferozmente materiais que ficam muito próximos e expelem alta radiação de energia, eles são alguns dos mais fortes emissores conhecidos de raios X. E ao identificar as fontes de raios X da NGC 1313 e estudar como elas periodicamente brilham, em 2015, os pesquisadores conseguiram restringir a massa de um dos suspeitos buracos negros da galáxia, conhecida como NGC 1313 X-1. Eles calcularam que possui cerca de 5.000 vezes a massa do Sol, o que o colocaria firmemente na faixa de massa de um buraco negro de massa intermediária.

Da mesma forma, em 2009, os pesquisadores descobriram evidências ainda mais fortes da existência de um buraco negro de tamanho médio. Localizado a cerca de 290 milhões de anos-luz de distância perto da borda da galáxia ESO 243-49, a equipe observou uma fonte de raios X incrivelmente brilhante chamada HLX-1 (fonte de raios X hiperluminosa 1) que não tinha uma contrapartida óptica.

Isto sugere que o objeto não é simplesmente uma estrela ou uma galáxia de fundo. Além disso, os pesquisadores descobriram que a assinatura de raios X do HLX-1 variou com o tempo, sugerindo que um buraco negro está brilhando cada vez que uma estrela próxima faz uma aproximação, alimentando gás para o buraco negro e causando breves explosões de raios X que então desaparecem lentamente. Com base nos brilhos observados, os pesquisadores calcularam uma massa mínima do buraco negro de cerca de 500 vezes a massa do Sol, embora algumas estimativas coloquem seu peso mais próximo de 20.000 massas solares.

Mais recentemente, astrônomos começaram a descobrir fortes evidências de buracos negros intermediários perto do núcleo da Via Láctea. Por exemplo, em janeiro de 2019, astrônomos usaram o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) para traçar correntes de gás que orbitam um buraco negro de massa intermediária, com uma massa aparente de aproximadamente 32.000 vezes a massa do Sol.

Localizado a escassos 23 anos-luz do buraco negro supermassivo da Via Láctea, Sagitário A*, a descoberta sugere que o recém-descoberto buraco negro de massa intermediária poderia fundir-se com os cerca de 4 milhões de massa solar do Sagitário A* num futuro não muito distante.

Os recentes sucessos do projeto de ondas gravitacionais LIGO-Virgo, que identificou 20 buracos negros de massa estelar sondando o Universo em busca de ondas gravitacionais que são produzidas quando os buracos negros se fundem, proporcionou aos pesquisadores um novo método para procurar pequenos e médios buracos negros.

Embora a colaboração LIGO-Virgo ainda não tenha descoberto ondas gravitacionais de fusões entre buracos negros maiores que cerca de 40 massas solares, futuramente, com a melhoria na sensibilidade dos detectores de ondas gravitacionais haverá uma melhor compreensão da frequência das fusões dos buracos negros de massa intermediária. A terceira corrida de observação começou a coletar dados a partir de 1º de abril de 2019, e os cientistas de ondas gravitacionais estão muito esperançosos em observar estas fontes indescritíveis em breve!

Portanto, nos próximos anos será possível encontrar uma prova definitiva do elo perdido entre os buracos negros pequenos e superdimensionados.

Fonte: Astronomy

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Nova medição da constante de Hubble altera a expansão do Universo

Cientistas da Universidade de Chicago fizeram uma nova medição da rapidez com que o Universo está se expandindo, usando um tipo de estrela totalmente diferente dos empreendimentos anteriores.


© Norval Glover (ilustração da medição da expansão do Universo usando gigantes vermelhas)

Este valor cai no centro de uma questão muito debatida em astrofísica que pode exigir um modelo inteiramente novo do Universo.

Os cientistas sabem há quase um século que o Universo está se expandindo, mas o valor exato de quão rápido está crescendo teima em manter-se elusivo. Em 2001, a professora Wendy Freedman liderou uma equipe que usou estrelas distantes para fazer uma medição histórica deste valor, ou seja, a constante de Hubble, mas não está de acordo com outra medição importante, e a tensão entre os dois números tem persistido mesmo quando cada lado faz leituras cada vez mais precisas.

Os astrônomos efetuaram uma nova medição da constante de Hubble usando uma classe estelar conhecida como gigante vermelha. As suas observações, feitas com o telescópio espacial Hubble, indicam que o ritmo de expansão do nosso canto do Universo é ligeiramente inferior a 70 km/s/Mpc (quilômetros por segundo por megaparsec), um pouco menos que a sua medição anterior.

A constante de Hubble é o parâmetro cosmológico que define a escala, o tamanho e a idade do Universo; é uma das formas mais diretas que temos de quantificar como o Universo evolui. A constante de Hubble é assim chamada em homenagem ao astrônomo pioneiro Edwin Hubble, sustenta tudo no Universo, desde a nossa estimativa de quando o Big Bang teve lugar até à quantidade de matéria escura existente. Ajuda os cientistas a esboçar uma teoria da história e estrutura do Universo; e, inversamente, se existirem falhas nesta teoria, uma medição precisa da constante de Hubble pode ajudar à sua detecção.

Há vinte anos, a equipe do Hubble Space Telescope Key Project, liderada por Freedman, anunciou que tinha medido o valor usando estrelas distantes chamadas Cefeidas, que pulsam em intervalos regulares. O seu programa concluiu que o valor da constante de Hubble era de 72 km/s/Mpc. À medida que os astrônomos refinavam as suas análises e recolhiam novos dados, este número permaneceu relativamente estável, em aproximadamente 73 km/s/Mpc.

Mas, mais recentemente, os cientistas adotaram uma abordagem muito diferente: a construção de um modelo baseado na estrutura ondulante da luz remanescente dos primeiros momentos do Big Bang, chamada Radiação Cósmica de Fundo em Micro-ondas (CMB - Cosmic Microwave Background). Se corressem um modelo para a frente no tempo, extrapolando os primeiros momentos do Universo, alcançavam um valor de 67 km/s/Mpc. Este desacordo é significativo, quase 10%, e continuou a solidificar-se com o tempo.

Uma parte central do desafio em medir o Universo é que é muito difícil calcular com precisão as distâncias de objetos distantes. A equipe de Freedman analisou originalmente dois tipos de estrelas que possuem características confiáveis que permitem usá-las em combinação com medições cosmológicas: as supernovas do Tipo Ia, que explodem com um brilho uniforme; e as variáveis Cefeidas, estrelas que pulsam em intervalos regulares que podem ser combinados com os seus picos de brilho. Mas ainda é possível que exista algo sobre as cefeidas que os cientistas ainda não tenham entendido completamente, o que pode estar gerando erros.

A equipe de Freedman procurou verificar os seus resultados estabelecendo um caminho novo e inteiramente independente para a constante de Hubble usando um tipo de estrela totalmente diferente.

Certas estrelas terminam as suas vidas como um tipo de estrela muito luminosa chamada gigante vermelha. A certo ponto, a estrela sofre um evento catastrófico chamado flash de hélio, no qual a temperatura sobe para cerca de 100 milhões K e a estrutura da estrela é rearranjada, o que acaba diminuindo dramaticamente a sua luminosidade (isto acontecerá um dia com o nosso próprio Sol, que também se tornará numa gigante vermelha). Os astrônomos podem ver o ponto onde todas as luminosidades das estrelas caem, e podem usar isso como uma maneira de determinar a distância.

Sabendo a distância de uma galáxia é possível verificar a rapidez com que esta galáxia se afasta de nós, que é o resultado da sua distância vezes a constante de Hubble. Felizmente, a velocidade de uma galáxia é fácil de medir, a luz que vem das galáxias muda dependendo da rapidez com que a galáxia se afasta de nós.

Os novos cálculos forneceram uma constante de Hubble de 69,8 km/s/Mpc, no meio dos valores previamente determinados.

O método da gigante vermelha é independente das cefeidas e é incrivelmente preciso. As estrelas usadas são de menor massa, têm diferentes histórias evolutivas e estão localizadas em diferentes regiões de galáxias distantes.

Estes resultados sugerem que ainda não temos a resposta final sobre a certeza do modelo padrão da cosmologia.

O novo artigo será publicado em breve na revista The Astrophysical Journal.

Fonte: Univerity of Chicago

terça-feira, 10 de julho de 2018

Discrepância na expansão do Universo

Um trio de pesquisadores acaba de demonstrar que a expansão do Universo não segue o mesmo ritmo em todas as partes do cosmos, o que pode ajudar a explicar discrepâncias entre medidas locais e globais da expansão obtidas pelos astrônomos.

teia cósmica

© Cosmonovas (teia cósmica)

Na Universidade Monash, na Austrália, Hayley Macpherson e seus colegas recriaram o cosmos num computador, partindo apenas das equações da relatividade geral de Albert Einstein, e de medidas da radiação cósmica de fundo, uma espécie de eco luminoso do Big Bang, medido com precisão pelo satélite europeu Planck.

O estudo partiu dos dados reais do Planck para estimar a inomogeneidade original do Universo, tratando a matéria como um fluido, cujo movimento era ditado pelas equações da relatividade geral.

Os pesquisadores realizaram simulações de relatividade numérica tridimensional de espaços-tempos expansivos homogêneos e não homogêneos, com o objetivo de quantificar efeitos não-lineares a partir de heterogeneidades cosmológicas. Foi demonstrada a convergência de quarta ordem com erros menores que uma parte em 106 na evolução de um espaço-tempo de poeira de Friedmann-Lemaître-Roberston-Walker (FLRW) usando as equações de Einstein.

Em uma simulação cosmológica anisotrópica totalmente não homogênea utilizando as equações de Einstein através de dados numéricos, foi medido que a constante de Hubble pode ser 1,2% maior que uma medição global, considerando escalas comparáveis às análises de uma supernova Tipo Ia. Foi encontrado que as inomogeneidade não podem resolver totalmente o conflito entre as medições de Riess et al. (2018a) e Planck Collaboration et al. (2016a).

Na simulação, notou-se a formação da chamada “teia cósmica”. São as maiores estruturas do Universo, compostas por enormes filamentos com incontáveis galáxias, em meio a grandes vazios.

Ao retratarem o Universo de maneira mais realista, os cientistas constataram que a expansão cósmica, iniciada com o Big Bang, avança significativamente mais depressa em regiões onde há menor concentração de matéria do que nas que compõem as regiões mais densas da “teia cósmica”.

E esta pode ser a chave para compreender um recente conflito entre diferentes estimativas da chamada constante de Hubble, a taxa de expansão cósmica. Enquanto medições baseadas na radiação de fundo indicam que a constante é de 67 km/s/Mpc, estimativas com base em objetos astrofísicos mais próximos apontavam uma taxa local de expansão de 73 km/s/Mpc.

Esta discrepância tem sido um enorme problema para os cosmólogos, mas talvez possa ao menos em parte ser explicada pela variação local da expansão. Caso isso se confirme, é sinal de que estamos numa região relativamente vazia do Universo, onde a expansão avança mais depressa do que a média global. Os pesquisadores demostraram que a relatividade numérica é uma ferramenta viável para investigar efeitos não-lineares na cosmologia.

Os resultados foram apresentados em dois artigos, submetidos aos periódicos Physical Review D e Astrophysical Journal Letters.

Fontes: Universidade Monash & Mensageiro Sideral

domingo, 6 de maio de 2018

A última teoria de Stephen Hawking sobre o Big Bang

Foi divulgada a teoria final de Stephen Hawking sobre a origem do Universo, que ele desenvolveu em colaboração com Thomas Hertog, da Universidade Católica de Leuven.

ilustração de um multiverso

© Juergen Faelchle (ilustração de um multiverso)

A teoria, que foi submetida para publicação antes da morte de Hawking no início do ano, é baseada na Teoria das Cordas e prediz que o Universo é finito e muito mais simples do que muitas teorias atuais sobre o Big Bang.

Hertog, que teve seu trabalho custeado pelo Conselho Europeu de Pesquisa, anunciou pela primeira vez a nova teoria em uma conferência organizada por ocasião do aniversário de 75 anos de Hawking, em julho do ano passado, na Universidade de Cambridge.

As teorias modernas sobre o Big Bang afirmam que nosso Universo local passou a existir com um rápido estágio de inflação, ou seja, uma pequena fração de segundo após o Big Bang, o Universo se expandiu a uma taxa exponencial. Contudo, é bastante difundida a crença de que, uma vez que a inflação se inicia, ela nunca para em certas regiões. Os efeitos quânticos poderiam manter a inflação para sempre em algumas regiões do Universo, de modo que, de um ponto de vista global, a inflação é eterna.  A parte visível do nosso Universo seria apenas um Universo hospitaleiro, uma região em que a inflação acabou e as estrelas e galáxias se formaram.

“A teoria usual da inflação eterna prediz que, globalmente, nosso Universo é como um fractal infinito, com um mosaico de pequenos Universos hospitaleiros separados por um oceano que está em inflação”, disse Hawking em uma entrevista no último outono. “As leis locais da física e da química podem divergir de um Universo hospitaleiro para outro, mas juntos eles formam um multiverso. Eu nunca fui fã da teoria do multiverso. Se a escala de diferentes Universos no multiverso é gigantesca ou infinita, esta teoria não pode ser testada.”

No novo estudo, Hawking e Hertog contestam esta visão da  inflação eterna como uma versão do Big Bang. O problema com a inflação eterna é que ela assume a existência de um Universo de fundo que evolui de acordo com a Teoria Relatividade Geral de Einstein e trata os efeitos quânticos como pequenas flutuações em torno deste. No entanto, a dinâmica da inflação eterna destrói a separação entre a física clássica e quântica. Como consequência, a teoria de Einstein resulta na inflação eterna.

“Nós prevemos que nosso Universo, em largas escalas, é razoavelmente plano e globalmente finito. Então não há uma estrutura fractal”, disse Hawking.

A teoria da inflação eterna que Hawking e Hertog apresentam é baseada na teoria das cordas, um ramo da física teórica que procura reconciliar a gravidade e a relatividade geral com a física quântica, em parte descrevendo os constituintes fundamentais do Universo como pequenas cordas vibrantes. Sua abordagem usa o conceito de holografia da teoria das cordas, que postula que o Universo é um grande e complexo holograma: a realidade física em certos espaços tridimensionais pode ser reduzida a projeções bidimensionais em uma superfície.

Hawking e Hertog desenvolveram uma variação deste conceito de holografia para projetarem a dimensão do tempo em uma inflação eterna. Isso possibilitou a eles descrever a inflação eterna sem ter que confiar na teoria de Einstein. Nesta nova teoria, a inflação eterna é reduzida a um estado atemporal, definido em uma superfície espacial no início do tempo.

“Quando traçamos a evolução do nosso Universo do fim para o começo dos tempos, em algum momento chegamos ao começo da inflação eterna, quando nossa noção familiar de tempo deixa de ter qualquer sentido”, disse Hertog.

A teoria anterior de Hawking, a “proposta sem limites”, previa que, se alguém voltasse no tempo até o começo do Universo, o Universo encolheria e se fecharia como uma esfera. Mas a nova teoria representa um passo à frente do trabalho anterior. “Agora estamos dizendo que existe um limite em nosso passado”, diisse Hertog.

Hertog e Hawking usaram sua nova teoria para obter previsões mais confiáveis sobre a estrutura global do Universo. Eles previram que o Universo que emerge da inflação eterna a partir de certo limite é finito e bem mais simples do que previa a estrutura fractal da antiga teoria da inflação eterna.

Seus resultados, se confirmados por trabalhos posteriores, terão implicações sem precedentes para o paradigma do multiverso. “Não estamos em um Universo singular e único, mas nossas descobertas implicam em uma redução significante do multiverso, para uma variedade muito menor de possíveis Universos”, disse Hawking.

Isso faz a teoria ser mais preditiva e testável. Hertog agora planeja estudar as implicações da nova teoria em escalas menores que estão ao alcance de nossos telescópios espaciais. Ele acredita que ondas gravitacionais primordiais, ou seja, ondulações no espaço-tempo geradas na saída da inflação eterna, constituem a mais promissora via para testar o modelo.

Um Universo em expansão desde o começo significa que estas ondas gravitacionais teriam comprimentos de onda muito longos, fora do alcance dos atuais detectores do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO,  na sigla em inglês). Mas eles podem ser ouvidos pelo Observatório Espacial LISA ou vistos em experimentos futuros que pretendem medir a radiação cósmica de fundo.

Fonte: Revista High Energy Physics

sexta-feira, 9 de março de 2018

Verificando se o Universo está mais quente numa extremidade

Observado da Terra, o Universo parece um pouco mais quente numa extremidade do que noutra, pelo menos termos do fundo de micro-ondas cósmico (em inglês, "cosmic microwave background" ou CMB). Mas a questão que preocupa os cosmólogos é saber se este desequilíbrio no CMB é real ou se é um resultado do efeito Doppler.

o fundo de micro-ondas cósmico indicando um gradiente pelo Universo

© Matthew Savino (o fundo de micro-ondas cósmico indicando um gradiente pelo Universo)

Os cientistas Siavash Yasini e Elena Pierpaoli da Universidade da Califórnia do Sul em Dornsife, EUA, podem ter descoberto uma maneira de encontrar a resposta.

Tornado talvez mais famoso por Edwin Hubble, que o usou para mostrar que o Universo está se expandindo, o efeito Doppler é a aparente mudança na frequência das ondas eletromagnéticas devido ao movimento de corpos que viajam rapidamente pelo espaço. Ondas como a radiação eletromagnética - ondas de luz raios X, micro-ondas, etc. - parecem mudar de energia: aquelas que se movem em direção a um observador parecem ser mais altamente energéticas, ou mais quentes, do que realmente são. O contrário é verdadeiro para ondas que se afastam do observador, que parecem mais frias.

Os cientistas que olham para o céu vêm o espaço que segue atrás da Terra parecer mais frio do que o espaço adiante, mas não está claro se isso é apenas o efeito Doppler ou a observação de uma diferença verdadeira na temperatura do CMB. É um enigma que persiste há décadas.

Dado que a CMB é uma energia remanescente do Big Bang, quando todo o Universo expandiu a partir de um único ponto, os cosmólogos assumiram que está disperso uniformemente. A aparência de dois polos no Universo, um mais quente do que o outro, deve, portanto, ser resultado do efeito Doppler, um resultado da viagem do Sistema Solar pelo espaço.

É considerado que um lado da CMB só parece mais quente porque nos estamos se movendo na sua direção e o lado oposto parece mais frio porque nos estamos se afastando.

Os astrofísicos que medem a velocidade do Sistema Solar em relação à CMB podem ajustar os seus cálculos com base neste pressuposto, assim como os cosmólogos que estudam o Big Bang e as condições pouco depois.

Mas existe, afinal de contas, a possibilidade que este pressuposto seja um erro.

Se realmente existir um dipolo intrínseco na CMB, isto é, se um lado do céu for realmente e parcialmente mais quente do que o lado oposto, a velocidade que atribuímos ao Sistema Solar em relação à CMB estará incorreta. Isto afetaria a forma como os cientistas medem a velocidade de objetos distantes, como galáxias, e as teorias sobre o que aconteceu momentos após o Big Bang podem ser abaladas.

Executando cálculos para um estudo diferente, mas relacionado, Yasini e Pierpaoli, encontraram um detalhe interessante: o espectro de frequência da CMB, no céu e em média, diferirá caso o dipolo seja real e não apenas o resultado do efeito Doppler.

Em outras palavras, se a CMB for, de fato, mais quente numa extremidade do Universo do que na outra, a temperatura média medida em todo o céu será ligeiramente diferente do que se a CMB for realmente uniforme.

As descobertas de Yasini e Pierpaoli permitirão aos cosmólogos realizar a próxima geração de levantamentos da CMB a fim de determinar a natureza do dipolo CMB pela primeira vez, resolvendo o quebra-cabeças.

Se se revelar que uma porção do dipolo é real e não apenas resultado do efeito Doppler, os astrofísicos e astrônomos terão que recalibrar todas as suas medições a fim de obter uma visão mais precisa do Universo observável.

Igualmente importante, os cosmólogos que estudam o Big Bang e as condições do Universo inicial terão novas direções para explorar como e porque é que a CMB está dispersa de forma desigual e como o Universo veio a ser o que agora é.

Fonte: University of Southern California

quinta-feira, 1 de março de 2018

Hubble fornece evidências de uma nova física no Universo

Os astrônomos através do telescópio espacial Hubble efetuaram as medições mais precisas da taxa de expansão do Universo desde que foi calculada pela primeira vez há quase um século. Curiosamente, os resultados induz considerar que podem haver evidências de algo inesperado operando no Universo.

NGC 3972 e NGC 1015

© STScI/A. Riess (NGC 3972 e NGC 1015)

Estas imagens do telescópio espacial Hubble mostram duas das 19 galáxias analisadas num projeto para melhorar a precisão da taxa de expansão do Universo, um valor conhecido como a constante de Hubble. As composições a cores mostram NGC 3972 (esquerda) e NGC 1015 (direita), localizadas a 65 e 118 milhões de anos-luz, respetivamente. Os círculos amarelos em cada galáxia representam as localizações de estrelas pulsantes chamadas variáveis Cefeidas.

Isto porque a descoberta mais recente do Hubble confirma uma discrepância incômoda que mostra que o Universo parece estar se expandindo mais depressa, agora, do que era esperado dada a sua trajetória vista pouco depois do Big Bang. Os pesquisadores sugerem que pode ser necessária uma nova física para explicar a inconsistência.

"A comunidade está realmente lutando para compreender o significado desta discrepância," realça Adam Riess, do STScI (Space Telescope Science Institute) e da Universidade Johns Hopkins.

A equipe de Riess vem usando o Hubble ao longo dos últimos seis anos para refinar as medições das distâncias a galáxias, com auxílio das suas estrelas como marcadores. Estas medições são usadas para calcular quão rápido o Universo se expande com o tempo, um valor conhecido como a constante de Hubble. O novo estudo da equipe estica o número de estrelas analisadas até 10 vezes a distância dos resultados anteriores do Hubble.

Mas o valor de Riess reforça a disparidade com o valor esperado e derivado das observações da expansão do Universo inicial, 378.000 anos após o Big Bang, o evento violento que formou o Universo há aproximadamente 13,8 bilhões de anos. Estas medições foram feitas pelo satélite Planck da ESA, que mapeia o fundo cósmico de micro-ondas, uma relíquia do Big Bang. A diferença entre estes dois valores é aproximadamente de 9%. As novas medições do Hubble ajudam a reduzir as hipóteses de que a discrepância entre os dois valores é mera coincidência para 1 em 5.000.

O resultado do Planck previa que o valor da constante de Hubble deveria agora ser de 67 quilômetros por segundo por megaparsec (3,3 milhões de anos-luz), e que não podia ser superior a 69 quilômetros por segundo por megaparsec. Isto significa que por cada 3,3 milhões de anos-luz que uma galáxia está de nós, move-se 67 km/s mais depressa. Mas a equipe de Riess mediu um valor de 73 km/s/Mpc, indicando que as galáxias se movem a um ritmo mais rápido do que o implícito nas observações do Universo inicial.

Os dados do Hubble são tão precisos que não é possível descartar a diferença entre os dois resultados como erros em qualquer medição única ou método. "Ambos os resultados foram testados de várias formas, assim que a não ser que existam uma série de erros não relacionados, mas deve ser uma característica do Universo," explica Riess.

Riess delineou algumas explicações possíveis para esta discrepância, todas relacionadas com os 95% do Universo que está envolto em escuridão. Uma possibilidade é que a energia escura, já conhecida por acelerar o cosmos, pode estar afastando as galáxias umas das outras com uma força ainda maior, ou crescente. Isto significa que a própria aceleração pode não ter um valor constante no Universo, mas mudar ao longo do tempo do Universo. Riess partilhou o Prêmio Nobel pela descoberta, em 1998, da aceleração do Universo.

Outra ideia é que o Universo contém uma nova partícula subatômica que viaja perto da velocidade da luz. Estas velozes partículas são coletivamente chamadas "radiação escura" e incluem partículas anteriormente conhecidas como os neutrinos, criados em reações nucleares e decaimentos radioativos. Ao contrário de um neutrino normal, que interage por força subatômica, esta nova partícula só seria afetada pela gravidade e é apelidada de "neutrino estéril."

Ainda outra possibilidade fascinante é que a matéria escura (uma forma invisível de matéria não composta por prótons, nêutrons e elétrons) interage mais fortemente com a matéria normal ou com a radiação do que se julgava anteriormente.

Qualquer um destes cenários mudaria os conteúdos do Universo inicial, levando a inconsistências nos modelos teóricos. Estas inconsistências resultariam num valor incorreto para a constante de Hubble, inferido a partir de observações do cosmos jovem. Este valor seria então incompatível com o número derivado das observações do Hubble.

Riess e colegas não têm ainda quaisquer respostas para este problema vexante, mas a sua equipe continuará trabalhando no ajuste da taxa de expansão do Universo. Até agora, a equipe de Riess, de nome SH0ES (Supernova H0 for the Equation of State), diminuiu a incerteza para 2,3%. Antes do Hubble ter sido lançado em 1990, as estimativas da constante de Hubble variavam por um fator de dois. Um dos objetivos principais do Hubble era o de ajudar os astrônomos a reduzir o valor desta incerteza até um erro de apenas 10%. Desde 2005, o grupo tem procurado aprimorar a precisão da constante de Hubble até que permita uma melhor compreensão do comportamento do Universo.

A equipe conseguiu refinar o valor da constante de Hubble otimizando e fortalecendo a construção da escada de distâncias cósmicas, que os astrônomos usam para medir distâncias precisas de galáxias próximas e distantes. Os pesquisadores compararam estas distâncias com a expansão do espaço, conforme medido pela dilatação da luz de galáxias cada vez mais distantes. Usaram então a aparente velocidade externa das galáxias a cada distância para calcular a constante de Hubble.

Mas o valor da constante de Hubble só é tão preciso quanto a precisão das medições. Os astrônomos selecionaram classes especiais de estrelas e supernovas como "marcadores cósmicos" para medir com precisão as distâncias das galáxias.

Entre as mais confiáveis para distâncias menores estão as variáveis Cefeidas, estrelas pulsantes que aumentam e diminuem de brilho a ritmos que correspondem ao seu brilho intrínseco. As suas distâncias, portanto, podem ser inferidas através da comparação do seu brilho intrínseco com o seu brilho aparente visto da Terra.

A astrônoma Henrietta Leavitt foi a primeira a reconhecer a utilidade das variáveis Cefeidas para medir distâncias em 1913. Mas o primeiro passo é medir as distâncias às Cefeidas independentemente do seu brilho, usando uma ferramenta básica de geometria chamada paralaxe. A paralaxe é a mudança aparente na posição de um objeto devido a uma alteração do ponto de vista de um observador. Esta técnica foi inventada pelos antigos Gregos que a usaram para medir a distância da Terra à Lua.

O resultado mais recente do Hubble é baseado em medições da paralaxe de oito Cefeidas recém-analisadas na nossa Via Láctea. Estas estrelas estão cerca de 10 vezes mais distantes do que as estudadas anteriormente, residindo entre 6.000 e 12.000 anos-luz da Terra, o que as torna mais difíceis de medir. Pulsam a intervalos mais longos, tal como as Cefeidas observadas pelo Hubble em galáxias distantes que contêm outra "régua" confiável, explosões estelares chamadas supernovas do Tipo Ia. Este tipo de supernova explode com um brilho uniforme e é brilhante o suficiente para ser observado relativamente longe. As observações anteriores do Hubble estudaram 10 cefeidas que piscam mais depressa localizadas de 300 a 1.600 anos-luz da Terra.

Para medir a paralaxe com o Hubble, a equipe teve que avaliar a pequena, mas aparente oscilação das Cefeidas devido ao movimento da Terra em torno do Sol. Estas oscilações têm aproximadamente 1/100 do tamanho de um único pixel na câmara do telescópio, equivalentes ao tamanho aparente de um grão de areia a 160,9 km de distância.

Portanto, para garantir a precisão das medições foi desenvolvido um método inteligente que não tinha sido previsto durante o lançamento do Hubble. Os cientistas inventaram uma técnica de varrimento na qual o telescópio media a posição de uma estrela mil vezes por minuto a cada seis meses durante quatro anos.

A equipe calibrou o brilho verdadeiro das oito estrelas que pulsam lentamente e cruzou-as com as suas primas mais distantes a fim de encolher as imprecisões na sua escada de distâncias. Os inpesquisadores compararam então o brilho das Cefeidas e das supernovas nestas galáxias com maior confiança, para que pudessem medir com mais firmeza o brilho verdadeiro das estrelas e, portanto, calcular distâncias de centenas de supernovas em galáxias distantes com maior precisão.

Outra vantagem deste estudo é o uso do mesmo instrumento, o WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble, para calibrar as luminosidades tanto das Cefeidas próximas como daquelas em outras galáxias, eliminando os erros sistemáticos que são inevitavelmente introduzidos quando comparando medições obtidas por diferentes telescópios.

Normalmente, se a cada seis meses quando é medida a mudança na posição de uma estrela em relação a uma segunda a estas distâncias, há uma limitação da capacidade em descobrir exatamente onde está a estrela. Usando a nova técnica, o Hubble move-se lentamente através de um alvo estelar e capta a imagem como uma linha de luz. "Este método permite oportunidades repetidas para medir os deslocamentos extremamente pequenos devido à paralaxe. Estamos medindo a separação entre duas estrelas, não apenas num local na câmara, mas repetidamente durante milhares de vezes, reduzindo os erros nas medições," acrescenta Riess.

O objetivo da equipe é reduzir ainda mais a incerteza usando dados do Hubble e do observatório espacial Gaia da ESA, que irá medir as posições e distâncias de estrelas com uma precisão sem precedentes. Esta precisão será necessária para diagnosticar a causa desta discrepância.

Os resultados foram aceitos para publicação na revista The Astrophysical Journal.

Fonte: Space Telescope Science Institute