sábado, 17 de setembro de 2016

Conheça a estrela, conheça o planeta

No que se refere a exoplanetas, os astrônomos perceberam que só conhecem bem as propriedades dos planetas que descobrem se conhecerem, igualmente bem, as propriedades das estrelas que orbitam.

ilustração de planetas ao redor de uma anã vermelha

© NASA/JPL-Caltech (ilustração de planetas ao redor de uma anã vermelha)

Para o tamanho de um planeta, a caracterização precisa da sua estrela hospedeira pode significar a diferença entre distinguirmos um mundo distante como sendo pequeno como a Terra ou grande como Júpiter.

A determinação do tamanho de um exoplaneta depende, decisivamente, não só do raio da sua estrela progenitora mas também se a estrela está sozinha ou se tem uma companheira estelar próxima. Considerando que metade das estrelas no céu não são uma, mas duas estrelas que se orbitam uma à outra, isto torna bastante importante o conhecimento das propriedades binárias de uma estrela.

Uma estrela particularmente interessante e relativamente próxima, de nome TRAPPIST-1, chamou recentemente a atenção de uma equipe de pesquisadores. Eles queriam determinar se TRAPPIST-1, que é o lar de três pequenos planetas potencialmente rochosos - um dos quais orbita na zona habitável onde a água líquida pode existir à sua superfície - era uma única estrela como o Sol, ou se tinha uma estrela companheira. Caso TRAPPIST-1 tivesse uma companheira, os planetas descobertos teriam tamanhos maiores, possivelmente grandes o suficiente para serem considerados gigantes gelados parecidos como Netuno.

Caso um exoplaneta orbite uma estrela num sistema binário, mas a luz estelar captada pelo telescópio seja originária de uma única estrela, o raio real do planeta será maior do que o medido. A diferença no tamanho medido do exoplaneta pode ser pequena, variando por 10%, ou superior a um fator de dois, dependendo do brilho da estrela companheira do sistema.

Para confirmar ou negar a natureza singular de TRAPPIST-1, Steve Howell, cientista do Ames Research Center da NASA, liderou uma investigação da estrela. Usando uma câmara especialmente desenhada, chamada DSSI (Differential Speckle Survey Instrument), Howell e equipe mediram as rápidas alterações na luz emitida pela estrela provocadas pela atmosfera da Terra e corrigiram-nas. A imagem resultante, de alta-resolução, revelou que a luz do sistema TRAPPIST-1 é emitida apenas por uma estrela.

Com a confirmação de que nenhuma outra estrela companheira reside nas imediações de TRAPPIST-1, o resultado valida não só que os planetas em trânsito são responsáveis pelas diminuições periódicas de brilho estelar, mas que são realmente do tamanho da Terra e, provavelmente, mundos rochosos.

"Saber que um planeta de tamanho terrestre, potencialmente rochoso, orbita na zona habitável de uma estrela a apenas 40 anos-luz da Terra, é uma descoberta incrível," comenta Howell. "O sistema TRAPPIST-1 continuará sendo estudado em grande detalhe enquanto estes exoplanetas em trânsito proporcionam uma das melhores oportunidades para caracterizar a atmosfera de um mundo alienígena."

Acoplado ao telescópio Gemini Sul de 8 metros, no Chile, a DSSI forneceu as imagens de mais alta-resolução, disponíveis atualmente, obtidas por um único telescópio terrestre. A proximidade de TRAPPIST-1 permitiu com que os astrônomos perscrutassem profundamente o sistema, observando, em termos equivalentes, mais perto do que a órbita de Mercúrio em torno do nosso Sol.

A TRAPPIST-1 é uma fraca estrela do tipo-M que, em relação à maioria das estrelas, é muito pequena e fria, mas torna mais fácil a detecção exoplanetária pelo método de trânsito.

Ainda este ano terão início medições mais detalhadas dos trânsitos planetários ao redor do sistema TRAPPIST-1, quando o telescópio espacial Kepler da NASA, atualmente na sua missão K2, monitorar com precisão mudanças minúsculas na luz emitida pela estrela durante um período de aproximadamente 75 dias.

As observações espaciais com o Kepler vão fornecer medições extremamente precisas das formas dos trânsitos planetários, permitindo refinar os raios e os períodos orbitais. A detecção de variações nos tempos dos eventos também poderá auxiliar  na determinação das massas dos planetas. Adicionalmente, as novas observações serão examinadas para procurar mais planetas em trânsito no sistema TRAPPIST-1.

A técnica usada pela DSSI é um trunfo poderoso de ferramentas utilizada pelos astrônomos, pois proporciona uma capacidade única para caracterizar o ambiente em torno de estrelas distantes. A técnica fornece imagens de altíssima resolução, obtendo múltiplas exposições com muito pouco tempo de exposição (40-60 milissegundos) a fim de captar os finos detalhes na luz recebida e "congelar" a turbulência provocada pela atmosfera da Terra.

Combinando os milhares de exposições e usando técnicas matemáticas para remover as distorções momentâneas provocadas pela atmosfera da Terra, o resultado final fornece uma resolução igual ao limite teórico do que o telescópio Gemini produziria caso não existisse uma atmosfera.

Howell e a sua equipe estão atualmente realizando a construção de dois novos instrumentos de interferometria. Um dos novos instrumentos será entregue ao telescópio WIYN de 3,5 metros localizado no Observatório Nacional de Kitt Peak perto de Tucson, Arizona, onde será usado no programa de investigação NN-EXPLORE. O outro está sendo desenvolvido para o telescópio Gemini Norte localizado em Mauna Kea, no Havaí.

Um artigo que dilvulga o resultado foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Gemini Observatory

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O mapa de bilhões de estrelas sugere um tesouro vindouro

O primeiro catálogo do satélite Gaia da ESA de bilhões de estrelas retrata a maior pesquisa de objetos celestes por todo o céu até à data.

versão anotada do mapa de estrelas da Via Láctea

© ESA/Gaia/DPAC (versão anotada do mapa de estrelas da Via Láctea)

A caminho de reunir o mais detalhado mapa 3D alguma vez composto da nossa Via Láctea, o Gaia já determinou a posição precisa no céu e o brilho de 1,142 bilhões de estrelas.

Como uma mostra do catálogo mais rico que virá ainda num futuro próximo, o lançamento divulgado esta semana apresenta as distâncias e os movimentos através do céu de mais de dois milhões de estrelas.

"O Gaia está na vanguarda da astrometria, cartografando o céu com precisões que nunca antes foram alcançadas", diz Álvaro Giménez, Diretor de Ciência da ESA.

Este trabalho fornece uma primeira impressão dos dados extraordinários que irão revolucionar a compreensão de como as estrelas estão distribuídas e se movem por toda a nossa Galáxia.

Lançado há 1.000 dias atrás, o Gaia iniciou os seus trabalhos científicos em julho de 2014. Esta primeira versão é baseada nos dados recolhidos durante os seus primeiros 14 meses de rastreamento do céu, até setembro de 2015.

As riscas e outros artefatos na imagem refletem como o Gaia rastreia o céu, e irão gradualmente desaparecer à medida que mais rastreamentos forem feitos durante a missão de cinco anos.

Transformar a informação bruta em posições estelares úteis e confiáveis para um nível de precisão nunca antes possível é um procedimento extremamente complexo.

Após processar o catálogo completo de bilhões de estrelas, os cientistas analisaram em detalhe os cerca de dois milhões de estrelas em comum entre os resultados do primeiro ano de Gaia e os Catálogos anteriores do Hipparcos e Tycho-2, ambos derivados da missão Hipparcos da ESA, que cartografou o céu há mais de duas décadas atrás.

Ao combinar os dados do Gaia com informações a partir desses catálogos menos precisos, foi possível começar a desembaraçar os efeitos de 'paralaxe' e 'movimento próprio', mesmo a partir do primeiro ano de observações. Paralaxe é um pequeno movimento na posição aparente de uma estrela causada pelo movimento anual da Terra em torno do Sol e depende da distância de uma estrela até nós, enquanto o movimento próprio é devido ao movimento físico das estrelas através da Galáxia.

Desta forma, os cientistas foram capazes de estimar distâncias e movimentos para os dois milhões de estrelas espalhados por todo o céu na combinação Tycho–Gaia Astrometric Solution (TGAS).

Este novo catálogo é duas vezes mais preciso e contém quase 20 vezes tantas estrelas como a anterior referência definitiva para a astrometria, o catálogo Hipparcos.

Como parte do seu trabalho em validar o catálogo, os cientistas Data Processing and Analysis Consortium (DPAC) têm realizado um estudo sobre aglomerados estelares abertos, grupos de estrelas relativamente jovens que nasceram juntas, que demonstra claramente a melhoria permitida pelos novos dados.

"Com o Hipparcos, só pudemos analisar a estrutura 3D e dinâmica de estrelas nas Híades, o aglomerado aberto mais próximo do Sol, e medir distâncias para cerca de 80 aglomerados até 1.600 anos-luz de nós", diz Antonella Vallenari do Instituto Nacional de Astrofísica (INAF) e do Observatório Astronómico de Pádua, Itália.

"Mas, com os primeiros dados do Gaia, é agora possível medir as distâncias e movimentos de estrelas em cerca de 400 aglomerados de até 4.800 anos-luz de distância.

Para os 14 aglomerados abertos mais próximos, os novos dados revelam muitas estrelas surpreendentemente longe do centro do aglomerado progenitor, provavelmente fugindo para preencher outras regiões da Galáxia.

Muitos mais aglomerados estelares serão descobertos e analisados em maior detalhe com os extraordinários dados que o Gaia continua recolhendo.

O novo censo estelar contém também 3.194 estrelas variáveis, estrelas que ritmicamente aumentam e diminuem de tamanho, levando a mudanças periódicas de brilho.

Muitas das variáveis observadas pelo Gaia encontram-se na Grande Nuvem de Magalhães, um dos nossos vizinhos galácticos, uma região que foi digitalizada várias vezes durante o primeiro mês de observações, permitindo uma medição precisa da mudança do seu brilho.

Detalhes sobre as variações de brilho destas estrelas, 386 das quais são novas descobertas, encontram-se publicadas como parte do lançamento, juntamente com um primeiro estudo para testar o potencial dos dados.

"Estrelas variáveis, tais como Cefeidas e RR Lyraes, são indicadores valiosos de distâncias cósmicas", explica Gisella Clementini do INAF e do Observatório Astronómico de Bolonha, Itália.

Enquanto a paralaxe é usada diretamente para medir distâncias de grandes amostras de estrelas na Via Láctea, as estrelas variáveis fornecem um passo indireto, mas crucial na nossa 'escala de distância cósmica', o que nos permite estendê-la a galáxias distantes.

Isto é possível porque alguns tipos de estrelas variáveis são especiais. Por exemplo, no caso das estrelas Cefeidas, quanto mais brilhantes são intrinsecamente, mais lenta será a variação no seu brilho. O mesmo é verdade para as RR Lyrae quando observadas à luz infravermelha. O padrão de variabilidade é fácil de medir e pode ser combinado com o brilho aparente de uma estrela para inferir o seu verdadeiro brilho.

É aqui que o Gaia entra em cena: no futuro, os cientistas serão capazes de determinar distâncias muito precisas para uma grande amostra de estrelas variáveis através de medições de paralaxe do Gaia. Com estas medições, os cientistas irão calibrar e melhorar a relação entre o período e o brilho dessas estrelas, e aplicá-lo para medir distâncias para além da nossa Galáxia. Uma aplicação preliminar dos dados do TGAS parece ser muito promissora.

Conhecer as posições e movimentos das estrelas no céu com uma surpreendente precisão é uma parte fundamental do estudo das propriedades e dos antecedentes da Via Láctea e para medir distâncias a estrelas e galáxias, mas tem também uma variedade de aplicações mais perto de casa, por exemplo, no Sistema Solar.

Em julho, Plutão passou à frente de uma estrela distante e fraca, oferecendo uma rara oportunidade para estudar a atmosfera do planeta anão à medida que a estrela desapareceu gradualmente e depois reapareceu atrás de Plutão.

Esta ocultação estelar foi apenas visível a partir de uma estreita faixa que se estende por toda a Europa, semelhante ao caminho total que um eclipse solar estabelece na superfície do nosso planeta. O conhecimento preciso da posição da estrela foi crucial para apontar os telescópios na Terra; assim, a excecional publicação antecipada da posição da estrela pelo Gaia, que foi 10 vezes mais precisa do que anteriormente disponível, foi fundamental para a monitorização bem-sucedida deste evento raro.

Os primeiros resultados sugerem uma pausa no intrigante aumento da pressão da tênue atmosfera de Plutão, algo que tem sido registado desde 1988, apesar do planeta anão estar se afastando do Sol, o que sugere uma queda de pressão devido ao arrefecimento da atmosfera.

Esta primeira versão de dados mostra que a missão está no bom caminho para atingir o seu objetivo final: cartografar as posições, distâncias e movimentos de bilhões de estrelas, cerca de 1% do conteúdo estelar da Via Láctea, em três dimensões e numa precisão sem precedentes.

Fonte: ESA

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Buraco negro esfomeado devolve galáxia brilhante à escuridão

O mistério da estranha mudança de comportamento de um buraco negro supermassivo situado no centro de uma galáxia distante foi resolvido por uma equipe internacional de astrônomos com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do ESO, do telescópio espacial Hubble da NASA/ESA e do observatório de raios X Chandra da NASA.

Markarian 1018

© ESO (Markarian 1018)

A equipe concluiu que o buraco negro está atravessando um período difícil, não sendo alimentado o suficiente para poder brilhar.

Muitas galáxias possuem um núcleo extremamente brilhante alimentado por um buraco negro supermassivo. Estes núcleos fazem das “galáxias ativas” uns dos objetos mais brilhantes do Universo. Pensa-se que resplandecem porque material quente brilha intensamente à medida que cai no buraco negro, um processo conhecido por acreção. Esta luz brilhante varia imensamente entre diferentes galáxias ativas, por isso os astrônomos classificaram-nas em diversos tipos segundo as propriedades da radiação que emitem. As galáxias ativas mais brilhantes são os quasares, objetos onde o núcleo brilhante ofusca completamente o resto da galáxia. Outra classe de galáxias menos extremas são as galáxias Seyfert. Originalmente, foi desenvolvido um método que usava o brilho e o espectro de emissão, o gráfico da intensidade da radiação emitida a diferentes comprimentos de onda, para distinguir entre dois tipos de galáxias Seyfert, os Tipos 1 e 2, mas posteriormente foram introduzidas classificações adicionais como, por exemplo, Seyferts de Tipo 1,9.

Observou-se que algumas destas galáxias variam drasticamente em períodos de apenas 10 anos; um piscar de olhos em termos astronômicos. No entanto, a galáxia ativa deste estudo, Markarian 1018, destaca-se por ter mudado de tipo uma segunda vez, voltando à sua classificação original nos últimos 5 anos. Observaram-se já algumas galáxias que apresentam também uma mudança completa de ciclo, no entanto nunca nenhuma tinha sido estudada em tantos detalhes.

A natureza instável de Markarian 1018 foi descoberta por acaso no rastreio CARS (Close AGN Reference Survey), um projeto de colaboração entre o ESO e outras organizações, que pretendeu juntar informação sobre 40 galáxias próximas com núcleos ativos. As observações de rotina de Markarian 1018 com o instrumento MUSE (Multi-Unit Spectroscopic Explorer), instalado no VLT revelaram uma mudança surpreendente na emissão de radiação da galáxia.

“Ficamos espantados com a mudança rara e drástica de Markarian 1018”, disse Rebecca McElroy, autora principal do artigo científico que descreve estes resultados e estudante de doutoramento da Universidade de Sydney e do ARC Centre of Excellence for All Sky Astrophysics (CAASTRO).

A observação ocasional desta galáxia tão perto da época em que começou a se apagar deu-nos a oportunidade inesperada de compreender como funcionam estas galáxias, como Bernd Husemann, líder do projeto e autor principal de dois artigos associados à descoberta, explica: ”Tivemos sorte em detectar este evento apenas 3 ou 4 anos após o início do declínio, o que nos possibilitou organizar campanhas de monitoramento para estudar os detalhes da física de acreção em galáxias ativas que, de outro modo, não poderiam ser estudados.”

A equipe de pesquisadores aproveitou esta oportunidade, tentando descobrir prioritariamente o processo que faz com que o brilho de Markarian 1018 varie de modo tão rápido. Este fenômeno pode ser causado por vários eventos astrofísicos, mas a equipe já descartou o efeito do buraco negro ter sugado e consumido uma estrela, assim como é pouco provável que esteja acontecendo obscurecimento por parte de gás ao seu redor. Um evento de perturbação de maré deste tipo ocorre quando uma estrela se aproxima muito de um buraco negro supermassivo, sendo destruída pelas enormes forças da gravidade. Isto resulta num forte aumento do brilho nas regiões centrais, que decai depois lentamente ao longo de alguns anos. As variações de brilho de Markarian 1018 não correspondem ao perfil deste evento. O obscurecimento por parte de gás pode afetar a classificação de uma galáxia ativa ao bloquear a linha de visão, num efeito semelhante ao de nevoeiro em frente aos faróis de um carro, atenuando assim a luz que passa através do gás. Este fenômeno afeta também o espectro da galáxia, podendo por isso modificar a sua classificação. O verdadeiro mecanismo responsável pela surprendente variação de Markarian 1018 permaneceu um mistério após a primeira rodada de observações.

No entanto, a equipe conseguiu coletar dados adicionais com tempo de observação no telescópio espacial Hubble e no observatório de raios X Chandra. Com estes novos dados o mistério acabou sendo resolvido; o buraco negro está se apagando lentamente porque já não tem material para acretar.

“É possível que esta falta de matéria se deva ao fato da entrada de combustível ter sido interrompida”, disse Rebecca McElroy. “Uma possibilidade intrigante é este efeito ser devido a interações com um segundo buraco negro supermassivo”. A existência de um tal sistema binário de buracos negros é uma possibilidade clara em Markarian 1018, já que esta galáxia resulta da fusão entre duas galáxias, cada uma das quais conteria muito provavelmente um buraco negro supermassivo no seu centro.

As pesquisas sobre os mecanismos que atuam em galáxias ativas que mudam de aparência, assim como Markarian 1018, continuam. “A equipe teve que trabalhar rapidamente para determinar o que é que estava fazendo com que Markarian 1018 voltasse à escuridão,” comentou Bernd Husemann. “Campanhas de monitoramento atualmente em curso com os telescópios do ESO e outras infraestruturas permitirão explorar com muito mais detalhe o extraordinário mundo dos buracos negros “esfomeados” e das galáxias ativas varáveis.”

Este trabalho foi descrito em dois artigos científicos intitulados “Mrk 1018 returns to the shadows after 30 years as a Seyfert 1” e “What is causing Mrk 1018’s return to the shadows after 30 years?”, que serão ambos publicados como Cartas na revista especializada Astronomy & Astrophysics.

Fonte: ESO

Um raro renascimento estelar

Uma equipe internacional de astrônomos conseguiu observar através do telescópio espacial Hubble a evolução de uma estrela em tempo real e captar pela primeira vez os períodos de aquecimento e esfriamento de seu renascimento.

nebulosa Stingray

© Hubble (nebulosa Stingray)

No núcleo da nebulosa Stingray, uma nebulosa planetária localizada a 2.700 anos-luz da Terra, está uma pequena e antiga estrela conhecida como SAO 244567. Os astrônomos têm observado ela por décadas, e agora foi possível confirmar o renascimento de uma estrela, algo que nunca foi visto antes.

Entre 1971 e 2002, a temperatura da superfície da estrela SAO 244566 aumentou de 20.000°C para 60.000°C; ao mesmo tempo, a estrela contraiu. O seu tamanho era quatro vezes maior do que nosso Sol e ficou com apenas um terço do diâmetro dele. Agora, observações efetuadas pelo telescópio espacial Hubble revelaram que a estrela começou a esfriar e a expandir novamente; nos últimos anos, a sua superfície estava com uma temperatura de 50.000°C.

A astrônoma Nicole Reindl, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, que tem estudado a estrela SAO 244567 por anos, acredita que nós vimos o antes e depois de um “flash” de hélio, um fenômeno astronômico que acredita-se que ocorre com gigantes vermelhas de pouca massa.

Eventos de flash de hélio ocorrem tardiamente na evolução de cerca de 25% de estrelas de baixa massa. Depois de evoluir fora da sequência principal, estas estrelas entram na fase de gigante vermelha, onde a estrela se expande dramaticamente. Várias alterações ocorrem na composição química e física da estrela durante esta fase, até que tenha a queima do hélio disponível no seu núcleo, o qual é então composto por carbono e oxigênio. A fusão do hélio continua em uma casca fina em torno do núcleo, mas, em seguida, desliga-se quando o hélio se esgota. Isso permite que a fusão do hidrogênio começe em uma camada acima da camada de hélio. Após acumular hélio adicional, a fusão do hélio se reacende, levando a um pulso térmico que eventualmente faz com que a estrela se expanda, resfrie e ilumine temporariamente.

Essencialmente, como o hidrogênio no núcleo das estrelas é esgotado, o hélio desperdiçado é deixado de lado, aumentando a temperatura e a densidade do núcleo até que ele se torne quente o suficiente para o hélio queimar.

Então, ocorrerá um período intenso e curto de fusão de hélio que faz com que a estrela se expanda e brilhe consideravelmente. A liberação da energia nuclear pela força do flash numa estrela compacta propicia o início de uma nova expansão em dimensões gigantes, caracterizando o cenário de renascimento.

Esta não é a primeira vez que astrônomos estudaram estrelas deste tipo. No entanto, é a primeira oportunidade que foi testemunhada as fases de aquecimento e refrigeração da transformação. O processo de evolução estelar tipicamente leva de milhões a bilhões de anos.

Apesar de ainda não ser possível explicar totalmente seu comportamento, o aperfeiçoamento dos cálculos poderia ajudar a entender não só essa estrela, mas proporcionar uma visão mais profunda da evolução das estrelas centrais de nebulosas planetárias.

Fonte: ESA

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Química diz que Lua é o manto da proto-Terra, realocado

Medições de um elemento em rochas terrestres e lunares refutou as hipóteses principais para a origem da Lua.

ilustração do impacto que criou a Lua da Terra

© SwRI/Dana Berry (ilustração do impacto que criou a Lua da Terra)

Pequenas diferenças na segregação dos isótopos de potássio entre a Lua e a Terra estavam, até recentemente, escondidas abaixo dos limites de detecção de técnicas analíticas. Mas em 2015, o geoquímico Kun Wang da Universidade de Washington, e Stein Jacobsen, professor de geoquímica da Universidade de Harvard, desenvolveram uma técnica para analisar estes isótopos que consegue atingir precisões dez vezes superiores ao melhor método anterior.

Wang e Jacobsen relatam agora diferenças isotópicas entre as rochas lunares e terrestres que fornecem a primeira evidência experimental que pode discriminar entre os dois modelos principais para a origem da Lua. Num modelo, um impacto de baixa energia deixa a proto-Terra e a Lua envoltas numa atmosfera de silicatos; no outro, um impacto muito mais violento vaporiza o bólido e a maior parte da proto-Terra, expandindo-se para formar um enorme disco superfluido a partir do qual a Lua, eventualmente, cristaliza.

"Os nossos resultados fornecem as primeiras evidências sólidas de que o impacto realmente (em grande parte) vaporizou a Terra," afirma Wang, professor assistente de Ciências da Terra e Planetárias.

Em meados da década de 1970, dois grupos de astrofísicos propuseram, independentemente, que a Lua tinha sido formada pela colisão "raspante" entre um corpo do tamanho de Marte e a proto-Terra. A hipótese de impacto gigante, que explica muitas observações, como por exemplo o grande tamanho da Lua em relação à Terra e velocidade de rotação da Terra e da Lua, eventualmente tornou-se a principal hipótese para a origem da Lua.

No entanto, em 2001 um grupo de cientistas relatou que as composições isotópicas de uma variedade de elementos em rochas terrestres e lunares são quase idênticas. As análises de amostras trazidas de volta pelas missões Apollo na década de 1970 mostraram que a Lua tem as mesmas abundâncias dos três isótopos estáveis de oxigênio que a Terra.

Isto era muito estranho. Simulações numéricas do impacto previam que a maioria do material (60 a 80%) que coalesceu para formar a Lua veio do objeto, ao invés da Terra. Mas corpos planetários que se formaram em diferentes partes do Sistema Solar têm geralmente composições isotópicas diferentes, tão diferentes que as assinaturas isotópicas servem como "impressões digitais" para planetas e meteoritos de um mesmo corpo.

A probabilidade de o corpo ter, por acaso, a mesma assinatura isotópica que a Terra, era muito pequena.

Assim, a hipótese de impacto gigante ficou com um grande problema. Explicava muitas características físicas do sistema Terra-Lua mas não a sua geoquímica. Os estudos de composição isotópica haviam criado uma "crise isotópica" para a hipótese.

No início, os cientistas pensavam que medidas mais precisas fossem resolver esta crise. Mas as medições mais precisas dos isótopos de oxigênio só confirmaram que as composições isotópicas não são distinguíveis. "Estas são as medições mais precisas que podemos fazer e, mesmo assim, são idênticas," comenta Wang.

"Então, as pessoas decidiram alterar a hipótese de impacto gigante," realça Wang. "O objetivo era encontrar uma maneira de fazer a Lua principalmente a partir da Terra, em vez de majoritariamente a partir do impactante. Existem muitos modelos, mas dois têm sido muito influentes."

No modelo original de impacto gigante, a colisão derreteu uma parte da Terra e a totalidade do corpo impactante, atirando para fora algum deste material derretido, como barro numa roda de oleiro.

Um modelo proposto em 2007 acrescenta uma atmosfera de vapor de silicato ao redor da Terra e o disco lunar (o disco de magma, resíduo do bólido). A ideia é que o vapor de silicato permite a troca entre a Terra, o vapor e o material no disco, antes da Lua se condensar a partir do disco derretido.

Estes modelos tentam explicar as semelhanças isotópicas pela adição desta atmosfera, mas ainda começam com um impacto de baixa energia como o modelo original.

Porém, a troca de material através de uma atmosfera é um processo muito lento. Nunca haveria tempo suficiente para o material se misturar bem antes de cair de volta para a Terra.

Por isso, outro modelo, proposto em 2015, assume que o impacto foi extremamente violento, tão violento que o objeto e o manto da Terra vaporizaram-se e misturaram-se para formar uma massa fundida densa/manto atmosférico sob a forma de vapor que se expandiu para preencher um espaço 500 vezes superior à Terra de hoje. À medida que esta atmosfera arrefecia, a Lua condensava-se.

A mistura completa desta atmosfera explica a composição isotópica idêntica da Terra e da Lua. O manto atmosférico era um "fluido supercrítico", sem fases líquidas e gasosas distintas. Os fluídos supercríticos podem passar através de sólidos como um gás e dissolver materiais como um líquido.

O estudo relata dados isotópicos de alta-precisão do potássio para uma amostra representativa de rochas lunares e terrestres. O potássio tem três isótopos estáveis, mas só dois deles, os isótopos  39K e 41K, são suficientemente abundantes para serem medidos com precisão neste estudo.

Wang e Jacobsen examinaram sete rochas lunares obtidas por missões lunares diferentes e compararam as suas taxas de isótopos de potássio com os de oito rochas terrestres representativas do manto da Terra. Descobriram que as rochas lunares eram enriquecidas com cerca de 0,4 partes por mil no isótopo mais pesado de potássio (41K).

O único processo a altas temperaturas que poderia separar os isótopos de potássio desta maneira, salienta Wang, é uma condensação incompleta do potássio a partir da fase de vapor durante a formação da Lua. Em comparação com o isótopo mais leve, o isótopo mais pesado cairia, preferencialmente, para fora do vapor e seria condensado.

Os cálculos mostram que se este processo tivesse acontecido num vácuo absoluto, levaria a um enriquecimento de isótopos pesados de potássio nas amostras lunares na ordem das 100 partes por mil, muito maior do que o valor encontrado por Wang e Jacobsen. Mas uma pressão mais alta suprimiria o fracionamento. Por esta razão, os pesquisadores preveem que a Lua condensou-se numa pressão superior a 10 bars, ou cerca de 10 vezes a pressão atmosférica da Terra ao nível do mar.

A descoberta de que as rochas lunares são enriquecidas com o isótopo mais pesado de potássio não favorece o modelo de atmosfera de silicato, que prevê que as rochas lunares conteriam menos do isótopo pesado do que as rochas terrestres, o oposto do que os cientistas descobriram.

Em vez disso, suporta o modelo de atmosfera do manto que prevê que as rochas lunares incluiriam mais deste isótopo mais pesado do que as rochas terrestres.

Silenciosos durante bilhões de anos, os isótopos de potássio encontraram finalmente uma voz, e têm bastante para contar.

Um artigo sobre a pesquisa foi publicado na revita Nature.

Fonte: Washington University

A galáxia espiral barrada NGC 1672

Muitas galáxias espirais possuem barras que cruzam os seus centros. Mesmo na nossa Via Láctea acredita-se que exista uma barra modesta.

NGC 1672

© Hubble/Steve Cooper (NGC 1672)

A galáxia espiral NGC 1672 mostrada acima, foi registrada com detalhes espetaculares pelo telescópio espacial Hubble, e possui uma proeminente barra central.

Visível na imagem acima estão os filamentos escuros formados pelas linhas de poeira, os jovens aglomerados de estrelas azuis, as nebulosas de emissão vermelhas formadas por gás hidrogênio brilhante, uma longa barra espiral brilhante de estrelas através do centro e um núcleo ativo brilhante que provavelmente é o lar de um buraco negro supermassivo.

A luz leva cerca de 60 milhões de anos para chegar até a Terra quando é emitida da NGC 1672, que se espalha por 75.000 anos-luz de diâmetro.

A NGC 1672 que aparece na direção da constelação de Dorado, está sendo estudada para que se possa descobrir como uma barra espiral contribui para o processo de formação de estrelas nas regiões centrais da galáxia.

Fonte: NASA

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Espreitando uma tormenta na Grande Nuvem de Magalhães

A imagem abaixo efetuada pela Advanced Camera for Surveys a bordo do telescópio espacial Hubble, mostra um turbilhão de gás brilhante e poeira escura dentro de uma das galáxias satélites da Via Láctea, a Grande Nuvem de Magalhães.

N159

© Hubble (N159)

Esta cena tempestuosa mostra um berçário estelar conhecido como N159, uma região HII com mais de 150 anos-luz de diâmetro. A N159 contém muitas estrelas jovens e quentes. Estas estrelas estão emitindo intensa radiação ultravioleta, que faz com que o gás hidrogênio próximo brilhe intensamente e os torrenciais ventos estelares possam cavar arcos, cadeias e filamentos no materal ao redor.

No interior desta nuvem cósmica localiza-se a Nebulosa Papillon, uma região de nebulosidade em forma de borboleta. Esse objeto pequeno e denso é classificado como uma Bolha de Alta-Excitação, e acredita-se que ela esteja ligada às fases iniciais da formação de estrelas massivas.

A N159 localiza-se a mais de 160.000 anos-luz de distância. Ela reside logo ao sul da Nebulosa da Tarântula, outro complexo de formação de estrelas massivas dentro da Grande Nuvem de Magalhães.

Fonte: ESA

A distribuição cronológica dos astros da Via Láctea

Usando cores para identificar as idades aproximadas de milhares de estrelas no halo da Via Láctea, astrônomos produziram a imagem mais nítida de como a nossa galáxia se formou a 13,5 bilhões de anos atrás.

distribuição cronológica dos astros da Via Láctea

© IAG-USP/U. Notre Dame/V. Placco (distribuição cronológica dos astros da Via Láctea)

Um grupo de pesquisadores incluindo Rafael Miloni Santucci e Silvia Cristina Fernandes Rossi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), Vinicius Moris Placco, Timothy Beers e Daniela Carolloda, da University of Notre Dame e outros pesquisadores nos Estados Unidos efetuaram a pesquisa.

Num estudo anterior, publicado no The Astrophysical Journal Letters, os pesquisadores destacavam que a Via Láctea formou estrelas de dentro para fora. Depois do colapso gravitacional que produziu estrelas na região central, o processo deslocou-se paulatinamente para a periferia, chegando aos limites extremos do halo galáctico.

O novo estudo utilizou uma base de dados quase 30 vezes mais robusta do que o anterior. Em vez de 4,7 mil estrelas, cerca de 130 mil astros foram considerados. A abundância de pontos possibilitou produzir um mapa detalhado, mostrando a distribuição cronológica das estrelas da Via Láctea.

Os cerca de 130 mil astros mapeados, localizados no halo da Via Láctea, pertencem à classe das Estrelas Azuis de Ramo Horizontal (BHBs, sigla para Blue Horizontal-Branch Stars). São estrelas antigas, em etapa bastante avançada de sua evolução, na qual brilhos intensos e constantes são gerados pela fusão de hélio em carbono. O Sol do sistema que compreende a Terra, que está em uma fase muito mais jovem do ciclo evolutivo, pertence a outro conjunto, conhecido como Sequência Principal (SP), cujas estrelas transformam hidrogênio em hélio, uma etapa anterior do processo de fusão nuclear.

Deve-se ressalvar que as expressões “Sequência Principal” e “Ramo Horizontal” não têm a ver com a posição espacial das estrelas, mas com o posicionamento no chamado Diagrama de Hertzsprung–Russell, criado por volta de 1910 pelo químico e astrônomo dinamarquês Ejnar Hertzsprung e pelo astrônomo norte-americano Henry Norris Russell para classificar as estrelas segundo sua etapa evolutiva. O diagrama relaciona a luminosidade da estrela com sua cor, sendo esta um indicador da temperatura. O Ramo Horizontal corresponde a uma fase que se estende por cerca de 10% do tempo total de vida da estrela.

Uma das grandes perguntas que permaneceu por muito sem resposta entre os estudiosos da Via Láctea era se a Galáxia havia se formado de fora para dentro ou de dentro para fora. Dois cenários competiam na descrição do processo. O “cenário monolítico” afirmava que as galáxias se formam a partir do colapso gravitacional súbito de uma gigantesca nuvem gasosa, originando enorme quantidade de protoestrelas ao mesmo tempo. O “cenário hierárquico” partia de uma galáxia relativamente pequena, que crescia à medida que outras galáxias ainda menores, atraídas por sua força gravitacional, se fundiam com ela.

Este estudo não confirmou, de maneira exclusiva, um ou outro cenário. Mas sugere que houve uma formação em grande escala de objetos de dentro para fora. Ou seja, que a força gravitacional colapsou inicialmente o gás existente no centro, dando origem a uma primeira geração de estrelas, e que, ao longo de um intervalo de tempo da ordem de 3 bilhões de anos, essa formação estelar chegou às regiões mais periféricas.

A amostra utilizada, que reúne estrelas disseminadas por todas as direções do halo, foi extraída da base de dados do SDSS (Sloan Digital Sky Survey). No conjunto de estrelas registradas nessa coleção, foram selecionadas aquelas previamente identificadas como estando na fase evolutiva de interesse.

Na avaliação das distâncias e das cores dos objetos, foi verificado que as estrelas BHBs mais azuladas do halo estavam concentradas predominantemente na região central. E que a cor ficava ligeiramente avermelhada conforme a distância entre a estrela e o centro da galáxia aumentava. A variação é extremamente sutil, mas as medidas de cor com filtros especiais mostraram que ela existe.

Na tentativa de explicar essa sutilíssima variação de cor, os pesquisadores descartaram as possíveis causas para o avermelhamento descritas na literatura, como a existência de poeira no meio interestelar ou composições químicas diferentes para as estrelas, que poderiam mudar ligeiramente suas cores.

O avermelhamento também não tem a ver com o Efeito Doppler, que desvia o espectro luminoso para o azul quando o astro se aproxima do observador, e para o vermelho quando ele se afasta. Tal efeito só se torna relevante quando a velocidade de aproximação ou de afastamento é muito maior, o que ocorre apenas para estrelas situadas em outras galáxias que não a Via Láctea.

O único fator que restou para explicar a variação de cor encontrada foi a idade do objeto. Sendo que, neste caso, e somente para esta fase evolutiva, quanto mais vermelha a estrela, mais jovem ela é. Por isso, o estudo sugere uma formação de dentro para fora. Descartados todos os outros fatores, é a ilação que decorre do fato de as estrelas mais azuladas ocuparem posição central, e as mais avermelhadas, posição periférica.

É importante ressaltar que a associação entre vermelhidão e juventude vale apenas para o estágio evolutivo considerado. Normalmente, as estrelas mais vermelhas são também as mais velhas. Mas, no Ramo Horizontal, o fenômeno se apresenta de forma diferente. É o único estágio evolutivo na vida das estrelas em que a vermelhidão é indicativa de juventude. Nossa hipótese é que exista uma pequena variação na massa desses objetos ao longo do tempo. Os objetos mais jovens teriam massa um pouco maior, consequentemente emitiriam luz mais avermelhada.

Convém lembrar que o tempo de evolução das estrelas depende da massa. As mais massivas ficam menos tempo na Sequência Principal, em que se dá a fusão de hidrogênio em hélio, e passam mais rapidamente para o Ramo Horizontal, onde ocorre a fusão do hélio em carbono. Também permanecem menos tempo nessa segunda fase evolutiva, porque os processos nucleares que ocorrem em seu interior são muito mais intensos.

As estrelas de tipo BHB mais antigas, e por isso mais azuladas, cujas idades são estimadas em cerca de 12 bilhões de anos, situam-se na região central da Galáxia. E, à medida que se distanciam do centro, as estrelas BHBs vão sutilmente se avermelhando, por apresentarem idades menores que, no limite do halo, são estimadas em 9,5 bilhões de anos; estrelas de outras classes podem apresentar idades muito menores, como o próprio Sol, que possui supostamente 4,6 bilhões de anos.

Uma constatação surpreendente, é o fato de a região onde se encontram os objetos mais velhos ocupar uma vasta extensão ao redor do núcleo galáctico, chegando até mesmo ao setor do halo próximo ao Sol, que está cerca de 28 mil anos-luz distante do centro galáctico.

Essa região antiga reúne um precioso acervo de estrelas velhas, cujo estudo pode trazer informações extremamente importantes para o entendimento da composição química do Universo jovem e de sua evolução ao longo do tempo. Ela também mostra que podemos encontrar estrelas muito velhas e, por isso, pobres em metais, mesmo nas regiões próximas do Sistema Solar. Ou seja, que podemos incluir objetos brilhantes nas buscas pelos primeiros astros do Universo.

Com relação à metalicidade das estrelas, é preciso lembrar que o enriquecimento químico do Universo, isto é, a incorporação de elementos químicos de maior massa, decorre do processo de fusão nuclear que ocorre nos núcleos das estrelas.

Em geral, as estrelas passam cerca de 90% de seu tempo total de vida fundindo hidrogênio em hélio. Depois que o hidrogênio se exaure no núcleo, a estrela se rearranja para fundir hélio em carbono. E esse novo estágio se prolonga por quase todo o resto de vida do astro. Porém, dependendo da massa da estrela, elementos ainda mais pesados que o carbono (nitrogênio, oxigênio, silício e ferro) podem ser fundidos em etapas avançadas do ciclo. E são ejetados ao meio exterior quando as estrelas muito massivas explodem como supernovas.

Esses elementos são incorporados por estelas de gerações posteriores. O Sol é considerado uma estrela de terceira geração. Todos os elementos mais pesados do que o hidrogênio e o hélio existentes no Sistema Solar, inclusive no corpo humano, foram herdados dos processos nucleares de estrelas das gerações anteriores.

As estrelas BHBs estão presentes em todos os ambientes e em todas as direções do céu. Novos levantamentos de dados, como o projeto S-PLUS, um importante mapeamento realizado pelo telescópio brasileiro situado em Cerro Tololo, no Chile, fornecerá informações sobre dezenas de milhares de BHBs situadas no céu do hemisfério Sul da Terra, que o SDSS não consegue observar. Estruturas ainda desconhecidas de nossa galáxia poderão ser reveladas.

Atualmente, só é possível usar estas técnicas na nossa própria Galáxia e nas galáxias satélites e anãs que a rodeiam. No entanto, espera-se que o James Webb Space Telescope (JWST), com lançamento previsto para 2018, recolha muitos mais dados sobre galáxias distantes, incluindo os primeiros brilhos do Big Bang.

A imagem no topo mostra o plano XY contendo o disco da Via Láctea (onde se situa o Sistema Solar) e o eixo Z representando a distância das estrelas até o plano. As distâncias são computadas em kiloparsecs (kpc), sendo que 1kpc corresponde a aproximadamente a 3,26 mil anos-luz e 1 ano-luz vale cerca de 10 trilhões de quilômetros. A posição do Sol não está destacada na animação, mas corresponde às coordenadas (X, Y, Z) = (8,5; 0; 0). A variação de cor descrita pela variável (g-r) possui um equivalente de idade entre parênteses, em unidades de bilhões de anos. Nota-se, portanto, que as regiões centrais da Galáxia são mais velhas (~12 bilhões de anos) e os objetos vão ficando mais jovens conforme aumenta a distância em relação ao centro, até atingir ~9.5 bilhões de anos de idade. Para construir este mapa de idade, os pesquisadores usaram a média da cor das estrelas em pequenos espaços. Cada ponto colorido visto dentro do cubo transparente revela a média de cor em um volume menor que 1kpc cúbico, onde existem ao menos três estrelas. As projeções vistas nas faces do cubo, cujas variações de cor foram suavizadas para destacar o fenômeno, representam visões em 2D nos diferentes planos de visada.

Fonte: Nature Physics

domingo, 11 de setembro de 2016

A larga e profunda Nebulosa da Lagoa

Cumes de gás interestelar brilhante e as nuvens de poeira escuras habitam as turbulentas profundezas cósmicas da Nebulosa da Lagoa.

M8

© M. Miller/J. Walker (M8)

A Nebulosa da Lagoa, também conhecida como M8, é a região de formação de estrelas brilhante que está a cerca de 5.000 anos-luz de distância da Terra. Mas ela é uma parada muito popular quando se faz uma turnê telescópica pela constelação do Sagitário em direção ao centro da Via Láctea.

Dominada pela reveladora avermelhada dos átomos ionizados de hidrogênio recombinando com elétrons arrancados, esta deslumbrante e profunda visão da Nebulosa da Lagoa tem quase 100 anos-luz de diâmetro.

À direita do centro da imagem, a brilhante e compacta forma de ampulheta está o gás ionizado, esculpido por radiação energética e ventos estelares extremos vindos de uma jovem estrela massiva.

De fato, as muitas estrelas brilhantes do aglomerado estelar aberto NGC 6530, situado dentro da nebulosa, se formaram na Nebulosa da Lagoa a poucos milhões de anos atrás.

Fonte: NASA

O mais lento pulsar já detectado

Usando o observatório de raios X Chandra da NASA e outros observatórios de raios X, astrônomos encontraram evidências de um dos pulsares mais extremos já detectado.

RCW 103

© Chandra/DSS (RCW 103)

A fonte exibe propriedades de uma estrela de nêutrons altamente magnetizada, ou magnetar, mas o seu período de rotação deduzido é milhares de vezes maior do que qualquer pulsar já observado.

Durante décadas, os astrônomos sabem que existe, uma fonte compacta densa no centro de RCW 103, os restos de uma explosão de supernova localizado a cerca de 9.000 anos-luz da Terra. Esta imagem composta mostra RCW 103 e sua fonte central, conhecida oficialmente como 1E 161.348-5055, ou simplesmente IE 1613, em três faixas de luz de raios X detectadas pelo Chandra. Nesta imagem, os raios X de energia mais baixos estão em vermelho, os raios X intermediários estão em verde, e os raios X de energia mais elevadas estão em azul. A fonte de raios X azul brilhante no meio do RCW 103 é 1E 1613. Os dados de raios X foram combinadas com uma imagem óptica do Digitized Sky Survey (DSS).

Observadores tinham previamente acordado que 1E 1613 é uma estrela de nêutrons, uma estrela extremamente densa criada pela supernova que produziu RCW 103. No entanto, a variação regular no brilho de raios X da fonte, com um período de cerca de seis horas e meia, apresentou um quebra-cabeça. Todos os modelos propostos tiveram problemas para explicar esta periodicidade lenta, mas as principais ideias eram que qualquer estrela de nêutrons que gira muito lentamente por causa de um mecanismo inexplicável, ou uma estrela de nêutrons mais rápida que está em órbita com uma estrela normal num sistema binário.

Em 22 de junho, 2016, um instrumento a bordo do telescópio Swift da NASA captou o lançamento de uma breve explosão de raios X de 1E 1613. A detecção do Swift chamou a atenção dos astrônomos, porque a fonte exibiu flutuações extremamente rápidas em uma escala de tempo de milissegundos, semelhante a outros magnetars conhecidos. Esses objetos exóticos possuem os mais poderosos campos magnéticos no Universo, trilhões de vezes maiores que os observados no Sol, e pode entrar em erupção com enormes quantidades de energia.

Uma equipe de astrônomos liderados por Nanda Rea, da Universidade de Amsterdam utilizou rapidamente outros dois telescópios em órbita, o Chandra e NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescope Array) para acompanhar as observações.

Novos dados deste trio de telescópios de alta energia, e os dados de arquivo de Chandra, Swift e XMM-Newton da ESA, confirmou que 1E 1613 tem as propriedades de um magnetar, tornando-se apenas o 30º conhecido. Estas propriedades incluem as quantidades relativas de raios X produzidos em diferentes energias e a forma como a estrela de nêutrons se esfriou após a explosão em 2016 e outra explosão vista em 1999. A explicação do sistema binário é considerada improvável porque os novos dados mostram que a resistência da variação periódica em raios x muda dramaticamente tanto com a energia dos raios X quanto com o tempo. No entanto, este comportamento é típico em magnetares.

Mas o mistério da rotação lenta permaneceu. A fonte está girando uma vez a cada 24.000 segundos (6,67 horas), muito mais lenta do que os magnetares mais lentos conhecidos até agora, que giram em torno de uma vez a cada 10 segundos. Isso tornaria a mais lent estrela de nêutrons já detectada.

Os astrônomos esperam que uma única estrela de nêutrons estará girando rapidamente após o seu nascimento na explosão de supernova e, então, diminui ao longo do tempo, uma vez que perde energia. No entanto, os pesquisadores estimam que a estrela magnética dentro de RCW 103 tem cerca de 2.000 anos de idade, não havendo tempo suficiente para o pulsar abrandar o seu período por meios convencionais.

Enquanto ainda não está claro por que 1E 1613 está girando muito lentamente, os cientistas têm algumas ideias. Um cenário principal é que os restos da estrela que explodiu colapsou para linhas do campo magnético em torno da estrela de nêutrons, fazendo-a girar mais lentamente com o tempo. Pesquisas estão sendo feitas para outros magnetares girando muito lentamente para estudar esta ideia com mais detalhes.

Outro grupo, liderado por Antonino D'Aì no Instituto Nacional de Astrofísica (INAF) em Palermo, Itália, monitorou 1E 1613 em raios X usando o Swift e à luz do infravermelho próximo e visível usando o telescópio de 2,2 metros no Europeu Southern Observatory (ESO) em La Silla, Chile, para procurar qualquer contrapartida de baixa energia à explosão de raios X. Eles também concluíram que 1E 1613 é um magnetar com um período de rotação muito lento.

Um artigo descrevendo os resultados da equipe de Rea aparece no periódico Astrophysical Journal Letters. Um artigo descrevendo os resultados da equipe de D'Aì foi aceito para publicação no periódico Monthly Notices da Royal Astronomical Society.

Fonte: NASA

Marte e Antares nas nuvens

Navegando através desta impressionante paisagem celeste, Marte está realmente à frente destas coloridas nuvens cósmicas.

Marte e Antares nas nuvens Rho Ophiuchi

© Sebastian Voltmer (Marte e Antares nas nuvens Rho Ophiuchi)

Este mosaico foi construído através de imagens telescópicas cobrindo uma área equivalente a 5 graus (10 luas cheias) de diâmetro.

O planeta vermelho foi captado nesta posição em 26 de agosto de 2016, quando estava distante a 7 minutos-luz da Terra e bem próximo da linha de visão da brilhante estrela Antares e do complexo de nuvens Rho Ophiuchi.

Na exposição Marte aparece amarelado, acima e à esquerda, e quase coincidente com Antares, também conhecida como Alpha Scorpii, abaixo do centro da imagem.

O aglomerado globular M4 resplandece logo à direita de Antares, mas M4 fica a cerca de 7.000 anos-luz comparada com a distância de 500 anos-luz de Antares.

Ligeiramente mais perto que Antares, o brilho azulado da estrela Rho Ophiuchi aparece refletido pelas poeirentas nuvens moleculares perto da parte superior da imagem.

Fonte: NASA

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Descoberta relíquia fóssil rara da Via Láctea primordial

Com auxílio do Very Large Telescope (VLT) do ESO e outros telescópios, uma equipe internacional de astrônomos descobriu um resto fossilizado da Via Láctea primordial, que contém estrelas com idades muito diferentes.

Terzan 5

© ESO/F. Ferraro (Terzan 5)

Este sistema estelar é parecido com um aglomerado globular, mas ao mesmo tempo diferente dos outros aglomerados já conhecidos, pois contém estrelas muito similares às estrelas mais antigas da Via Láctea, ajudando-nos a fazer a ponte entre o passado e o presente da nossa Galáxia.

Terzan 5, situado a 19 mil anos-luz de distância na constelação de Sagitário em direção ao centro galáctico, tem sido classificado como um aglomerado globular desde há cerca de 40 anos, quando foi descoberto. No entanto, uma equipe liderada por astrônomos italianos acaba de descobrir que Terzan 5 é diferente de todos os outros aglomerados globulares conhecidos.

A equipe obteve dados com o instrumento Multi-conjugate Adaptive Optics Demonstrator (MAD) instalado no VLT, assim como com uma série de outros telescópios colocados tanto no solo como no espaço. Foram utilizados também dados da Wide Field Camera 3 instalada a bordo do telescópio espacial Hubble e Near-Infrared Camera 2 montada no telescópio W. M. Keck. Os pesquisadores encontraram fortes evidências da existência de dois tipos distintos de estrelas em Terzan 5, as quais não diferem apenas nos elementos que contêm, mas apresentam também uma diferença de idades de cerca de 7 bilhões de anos. As duas populações estelares detectadas têm idades de 12 e 4,5 bilhões de anos, respectivamente.

As idades das duas populações indicam que o processo de formação estelar em Terzan 5 não se processou de forma contínua, tendo sido dominado por dois períodos distintos de formação estelar. “Esta hipótese requer que o antecessor de Terzan 5 tenha tido enormes quantidades de gás para uma segunda geração de estrelas e tenha sido muito massivo, com pelo menos 100 milhões de vezes a massa do Sol,” explica Davide Massari, do Italian National Institute for Astrophysics (INAF), na Itália e da Universidade de Groningen, Holanda.

A suas propriedades incomuns fazem de Terzan 5 o candidato ideal a um fóssil vivo dos primeiros dias da Via Láctea. Teorias atuais de formação galática assumem que vastos acúmulos de gás e estrelas interagiram para formar o bojo primordial da Via Láctea, fundindo-se e dissolvendo-se no processo.

“Pensamos que alguns restos destes acúmulos gasosos poderão ter permanecido relativamente imperturbados e que continuam existindo em nossa Galáxia,” explica Francesco Ferraro da Universidade de Bolonha, Itália, e autor principal do estudo. “Tais fósseis galáticos permitem aos astrônomos reconstruir uma parte importante da história da nossa Via Láctea.”

Apesar das propriedades de Terzan 5 serem incomuns para um aglomerado globular, são no entanto muito semelhantes à população estelar que se encontra no bojo galáctico, a região central altamente compacta da Via Láctea. Estas semelhanças poderão fazer de Terzan 5 uma relíquia fossilizada de formação galáctica, representando um dos mais antigos blocos constituintes da Via Láctea.

Esta suposição é reforçada pela massa original de Terzan 5 necessária à criação de duas populações estelares: uma massa semelhante à dos enormes acúmulos que se pensa terem formado o bojo durante a formação da Galáxia há cerca de 12 bilhões de anos atrás. De algum modo Terzan 5 conseguiu escapar de ser desfigurado por bilhões de anos, tendo sido preservado como um resto do passado distante da Via Láctea.

“Algumas das características apresentadas por Terzan 5 assemelham-se às detectadas nos acúmulos gigantes que observamos em galáxias com formação estelar a elevados desvios para o vermelho, sugerindo que semelhantes processos de formação ocorreram tanto no Universo local como no longínquo durante a época de formação galáctica,” continua Ferraro.

Esta descoberta abre assim o caminho para uma melhor e mais completa compreensão da formação de galáxias. “Terzan 5 poderá representar um elo intrigante entre o Universo local e o longínquo, uma testemunha que sobreviveu ao processo de formação do bojo galáctico,” explica Ferraro ao comentar a importância da descoberta. Este trabalho fornece um possível caminho para que os astrônomos possam deslindar os mistérios da formação galáctica e oferece uma vista sem precedentes da complicada história da Via Láctea.

Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “The age of the young bulge-like population in the stellar system Terzan 5: linking the Galactic bulge to the high-z Universe” de F. R. Ferraro et al., que será publicado na revista especializada The Astrophysical Journal.

Fonte: ESO

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os polos de Júpiter

A sonda Juno da NASA transmitiu as primeiras imagens do polo norte de Júpiter, obtidas durante o primeiro voo rasante pelo planeta com os seus instrumentos ligados.

polo norte de Júpiter

© NASA/JPL-Caltech/SwRI/MSSS/Juno (polo norte de Júpiter)

As imagens mostram sistemas de tempestades e atividade meteorológica diferente de tudo visto anteriormente em qualquer outro dos gigantes gasosos do Sistema Solar.

A Juno executou com sucesso o primeiro de 36 voos rasantes no dia 27 de agosto, quando a nave espacial passou a 4.200 km das rodopiantes nuvens de Júpiter. O download dos seis megabytes de dados, recolhidos durante o trânsito de seis horas, que cobrem desde o polo norte de Júpiter até ao polo sul, levou dia e meio. Embora a análise desta primeira obtenção de dados esteja ainda em curso, já se fizeram algumas descobertas únicas.

"O primeiro vislumbre do polo norte de Júpiter e é diferente de tudo o que já vimos ou fotografamos antes," afirma Scott Bolton, pesquisador principal da Juno no SwRI (Southwest Research Institute), San Antonio, Texas, EUA. "É mais azulado do que outras partes do planeta e existem muitas tempestades. Não há nenhum sinal de bandas latitudinais nem das faixas a que estamos habituados, esta imagem é dificilmente reconhecível como Júpiter. Vemos sinais de que as nuvens têm sombras, possivelmente indicando que estão a uma altitude superior a outras características."

Uma das descobertas mais notáveis destas primeiras imagens dos polos norte e sul de Júpiter, é algo que a câmara JunoCam não viu.

"Saturno tem um hexágono no polo norte," comenta Bolton. "Não há nada em Júpiter que se assemelhe a isso. O maior planeta do Sistema Solar é verdadeiramente único."

Além das fotografias da JunoCam durante a passagem rasante, todos os oito instrumentos científicos recolheram dados. O JIRAM (Jovian Infrared Auroral Mapper), fornecido pela Agência Espacial Italiana, obteve algumas espetaculares imagens infravermelhas das regiões polares norte e sul de Júpiter.

imagem infravermelha da aurora austral de Júpiter

© NASA/JPL-Caltech/SwRI/MSSS/Juno (imagem infravermelha da aurora austral de Júpiter)

"O JIRAM observa por baixo da 'pele' de Júpiter, dando-nos os nossos primeiros vislumbres infravermelhos do planeta," comenta Alberto Adriani, do Instituto de Astrofísica e Planetologia Espacial, em Roma. "Estas primeiras imagens infravermelhas das regiões polares norte e sul de Júpiter estão revelando pontos amenos e quentes nunca antes vistos. E apesar de já sabermos que as primeiras imagens infravermelhas do polo sul de Júpiter iam revelar a aurora austral do planeta, ficamos espantados ao vê-la pela primeira vez. Nenhum outro instrumento, na Terra ou no espaço, foi capaz de ver as auroras no sul do planeta. Agora, com o JIRAM, vemos que parece ser muito brilhante e bem estruturada. O alto nível de detalhe nas imagens vai dizer-nos mais sobre a morfologia e dinâmica das auroras."

Entre os conjuntos de dados recolhidos pela Juno durante a sua primeira "varredura" científica por Júpiter, estavam os obtidos pela Radio and Plasma Wave Sensor (Waves), que registou transmissões fantasmagóricas emanadas acima do planeta. Estas emissões de rádio de Júpiter já são conhecidas desde a década de 1950, mas nunca tinham sido analisadas a partir de um ponto de vista tão íntimo.

A experiência detectou a assinatura da emissão de partículas energéticas que geram as auroras enormes que circundam o polo norte de Júpiter. Estas emissões são as mais fortes do Sistema Solar. O próximo objetivo é descobrir a origem dos elétrons que as geram.

Fonte: Jet Propulsion Laboratory

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Por que tão azul?

Apesar da cor azul ter muitas associações na vida cotidiana como, por exemplo, frio, tristeza, serenidade, a verdade é que para os astrônomos esta cor tem um significado muito diferente, como é demonstrado por esta galáxia espiral vista de perfil, a Messier 98 (M98).

NGC 4192

© ESO/NTT (NGC 4192)

A M98, também conhecida por NGC 4192, situa-se aproximadamente a 50 milhões de anos-luz de distância na constelação de Coma Berenices. Nesta bela imagem obtida pelo New Technology Telescope (NTT) do ESO, a periferia da galáxia, cheia de gás e poeira, encontra-se pontilhada de bolsas de luz azulada.

Estas regiões estão repletas de estrelas muito jovens, tão quentes que resplandecem num tom azul brilhante. Estas estrelas jovens têm temperaturas tão elevadas que emitem intensa radiação, queimando parte do material denso que as rodeia. Acredita-se que, no total, a M98 contenha cerca de um trilhão de estrelas!

O NTT é um telescópio de 3,58 metros instalado no Observatório de La Silla, pioneiro no uso da óptica ativa e o primeiro telescópio do mundo a ter o espelho primário controlado por computador.

Fonte: ESO

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O passado explosivo da Via Láctea

Uma bolha gigante em torno do centro da Via Láctea mostra que há seis milhões de anos atrás o buraco negro supermassivo da nossa Galáxia estava em chamas com uma energia furiosa. Ela também emite uma luz sobre o esconderijo da chamada matéria "em falta" da Galáxia.

ilustração da bolha laranja e gás ao redor da Via Láctea

© Mark A. Garlick/ESA (ilustração da bolha laranja e gás ao redor da Via Láctea)

Enquanto a misteriosa matéria escura agarra a maioria das primeiras páginas de jornal, os astrônomos sabem que ainda lhes falta encontrar toda a matéria normal da Galáxia, denominada bariônica. Isso agora mudou, graças ao trabalho do observatório de raios X XMM-Newton da ESA.

Uma análise detalhada das observações de arquivo mostrou que há uma grande quantidade de matéria bariônica espalhado pela Galáxia. O XMM-Newton encontrou-a na forma de gás a uma temperatura de um milhão de graus que permeia tanto o disco da Galáxia, onde a maioria das estrelas se encontram, e um volume esférico que rodeia toda a Galáxia.

A nuvem esférica é vasta. Considerando que o Sol está apenas a 26.000 anos-luz do centro da Galáxia, a nuvem estende-se a uma distância de pelo menos de 200.000 a 650.000 anos-luz.

Fabrizio Nicastro, do Instituto Nacional de Astrofísica, Observatório Astronômico de Roma, na Itália, e seus colegas foram no rastro dos bárions perdidos há mais de 15 anos. A sua mais recente descoberta com o XMM-Newton mostra que há suficiente gás quente, a milhões de graus, na Galáxia para explicar isto tudo.

Permaneceu despercebido por tanto tempo porque não emite luz visível. Em vez disso, os astrônomos descobriram-no porque o oxigênio na nuvem absorveu os raios X em comprimentos de onda muito específicos de luz sendo emitida por objetos celestes mais distantes.

E esta não foi a única descoberta para a equipe à espera nos dados. Quando chegou o momento de modelar os dados com simulações de computador, para compreender a maneira pela qual o gás foi distribuído ao redor da galáxia, a equipe não obteve a resposta de que estava à espera.

"De acordo com a física gravitacional simples, espera-se que a densidade do gás diminua a partir do centro para fora," diz Nicastro. Neste quadro, a densidade do gás atingiria o seu pico no centro da Galáxia e seria menor nas arestas exteriores. Mas havia um problema. "Passei três meses a tentar combinar os dados com esse modelo e simplesmente não conseguia," diz Nicastro.

Depois de tentar tudo, ele mudou o pico da densidade para fora do centro da Galáxia. A uma distância de cerca de 20.000 anos-luz do centro da galáxia o modelo encaixava melhor. Foi intrigante o porquê de isto melhorar as coisas até se lembrar que esta distância é também o tamanho de dois grandes "balões" de raios gama encontrados em 2010 pelo observatório de raios gama Fermi, da NASA, que se estendem dezenas de milhares de anos-luz acima e abaixo do centro de nossa Galáxia.

Então Nicastro construiu um modelo de densidade diferente, no qual havia uma bolha central de gás de baixa densidade que se estende para o exterior a 20.000 anos-luz. Quando ele aplicou esse modelo nos seus dados de raios X, descobriu que se encaixava perfeitamente. Isso significa que algo empurrou o gás para fora do centro da Galáxia, criando uma bolha gigante.

É conhecido que existe um buraco negro supermassivo no centro da nossa Galáxia. Encontra-se em silêncio e escuridão nos dias de hoje, mas a bolha indica que há seis milhões de anos atrás as coisas eram muito diferentes.

O buraco negro supermassivo estava despedaçando estrelas e nuvens de gás e engolindo o conteúdo. No caminho para a aniquilação, a matéria condenada estava aquecendo e liberando grandes quantidades de energia que abria caminho através do halo de gás, abrindo a bolha.

Quando os astrônomos olham para o Universo mais amplo, veem que uma pequena porcentagem de galáxias contém um núcleo extremamente brilhante. Estes núcleos são denominados núcleos ativos de galáxias e, como resultado deste estudo, os astrônomos sabem agora que a Via Láctea teve alguma vez um deles.

Seis milhões de anos mais tarde, a onda de choque criada por esta atividade atravessou 20.000 anos-luz no espaço, criando a bolha que o XMM-Newton observou. Entretanto, o buraco negro supermassivo ficou sem 'alimento' nas proximidades, ficando tranquilo novamente.

"Penso que a evidência da Via Láctea ter sido mais ativa no passado é agora forte," diz Nicastro.

"Demos um grande passo em frente com este resultado," diz Norbert Schartel, cientista do projeto da ESA para o XMM-Newton. "Isso significa que a próxima geração de telescópios de raios X, tais como a missão ATHENA da ESA, terá muito que estudar após o seu lançamento em 2028."

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics